Exame - Portugal - Edição 440 (2020-12)

(Antfer) #1
DEZEMBRO 2020. EXAME. 57

cio do ano, a pandemia fechou a porta aos
turistas, responsáveis por cerca de 7% do
PIB nacional e reduziu significativamente
as remessas dos emigrantes (que, por seu
lado, representam 14% do PIB do país) que
alimentam muitas das famílias libanesas;
em agosto, a explosão destruiu o porto de
Beirute e, no início de outubro, um incên-
dio no centro da cidade danificou o edifício
desenhado pela iraquiana Zaha Hadid, um
dos mais icónicos da capital. “Se querem
saber como sobreviver a tragédias, podem
falar connosco”, diz meio a rir, meio a sé-
rio a irmã Lucy, da congregação das Irmãs
do Sagrado Coração. Responsável pelas
finanças da instituição, desdobra-se em
reuniões com representantes do Governo,
para tentar alinhavar um futuro no qual
o dinheiro escasseia na mesma proporção
em que as necessidades aumentam. Mas
os sorrisos ganham, mesmo que deses-
perançados. A Imprensa nacional afirma
que cerca de 500 mil pessoas terão saído do
país em busca de uma vida melhor, nos úl-
timos meses, mas nem todas estão dispos-
tas a abandonar a terra que as viu crescer,
Pamela ainda não tem 30 anos, é fisi-
oterapeuta e tem uma clínica em Beiru-
te. Faz parte da classe alta libanesa e, para
ela, sair do país “é deixá-los ganhar [a cor-
rupção, a injustiça, o Hezbolah, no limite].
Temos uma classe política corrupta, e já
muita gente antes de mim lutou pelo Lí-
bano. Não me vou embora. Vou continu-

ar a trabalhar para conseguir ter um país
melhor”, garante. A postura e o olhar de-
terminados, bem como a elegância, são
características comuns das mulheres li-
banesas – e quase nos fazem entender
porque o país não cai, apesar de todas as
vicissitudes.

E AGORA, LÍBANO?
Adivinhar o futuro é complexo, há vários
anos. Uma cidade cosmopolita, com algu-
mas das melhores universidades do Médio
Oriente e de olhos postos na “Paris” que
quer continuar a ser, luta agora por mais
um renascimento. É precisamente sobre
isso que nos fala o dono do Route 961, um
conhecido bar em plena escadaria Van-
dome, na zona equivalente ao Bairro Alto
lisboeta. “Tinha 480 milhões de libras no
banco. Dinheiro mais do que suficiente
para fazer a casa que queríamos (mais de
300 mil dólares ao câmbio do ano passa-
do). De um dia para o outro fiquei sem
nada”, conta. Recorde-se que para fazer
face ao enorme défice comercial acumu-
lado, os bancos libaneses decidiram con-
fiscar as contas correntes dos depositantes,
no ano passado e, incapazes de manter o
câmbio fixo que tinham com o dólar des-
de 1997, converteram todo o dinheiro em
libras libanesas. Sem dólares nas institu-
ições financeiras, a moeda nacional pode
ter agora sete diferentes taxas de câmbio
no mesmo dia, no mercado negro. Durante

Paredes-meias com nada
A explosão deixou várias casas como esta,
sem paredes e com o interior totalmente à vista.
Dois meses depois, a maior parte da recuperação
está a ser feita graças à sociedade civil

Como é que


posso ir? Este


é o meu país.


Tenho de ficar,


tenho de ajudar a


reerguê-lo. Mas


também, será


que podemos


ficar?”


Proprietário do Route 691

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