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Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior
(MCTES), 62 anos, Manuel Heitor é antes de
mais nada um académico, com especialização no
Imperial College de Londres e na Universidade da
Califórnia. Especialista em combustão, o professor
catedrático do Instituto Superior Técnico montou
em 1998 o Centro de Estudos em Inovação,
Tecnologia e Políticas de Desenvolvimento, IN+.
países europeus estão a seguir a mesma estratégia. Quanto a
mim não há qualquer outra hipótese. Outro exemplo é o in-
vestimento no setor do Espaço. Sabemos que este equilíbrio
de que falava requer novo conhecimento, requer colaborações
entre diferentes instituições e diferentes áreas e diferentes
métodos de observação. A única maneira de sabermos o que se
passa na Terra, com precisão, é através de satélites. Daí termos
desenvolvido uma agência espacial e uma estratégia baseada
na observação de satélites, desde 2017, baseada e apoiada no
modelo de observação mais preciso da Terra. Temos aumen-
tado o esforço empresarial e público, em mais de 80%, face a
2017, e de 35% só este ano. Através da nossa participação na
Agência Espacial Europeia e pela dinamização de atividades
com empresas.
Mesmo assim, teme-se que o orçamento europeu da Ciência
seja afetado negativamente.
Não me parece. Temos de perceber que hoje a atividade cien-
tífica promove sinergias. Os estados-membros alteraram o
equilíbrio entre os vários programas face à Covid. O desafio
é passar dos dois por cento para os três por cento em inves-
timento na Europa, em 2030. É algo que nunca foi feito, mas
temos consciência de que o que estamos a fazer não é suficiente.
Portugal continua a ter um problema de execução dos pro-
gramas europeus.
Portugal aumentou muito a taxa de participação nos programas
europeus de gestão centralizada. No Horizonte 2020 atingi-
mos o valor máximo de 1,65 do orçamento, quando Portugal
contribui com 1,2. Isto tem a ver com a nossa capacidade de
atrair fundos europeus de gestão centralizada. Depois temos é
eventuais défices de execução nos chamados fundos estruturais,
que estão sobretudo associados à complexidade das regras. Não
é possível aumentar a execução sem simplificação das regras.
É uma luta a que temos de fazer face nos próximos anos.
Qual a sua proposta?
Temos de criar um elemento de confiança, em vez de partir
com desconfiança, e impor uma fiscalização após a atribui-
ção dos financiamentos. Temos de acelerar na capacidade de
execução, simplificando e desburocratizando.
E especificamente em Portugal, também há muita margem
para melhorar no campo da simplificação das candidaturas...
Temos garantido calendários cada vez mais céleres...
Mesmo assim, ainda com algumas datas por definir.
Quando isto acontece é porque a administração não consegue
fazer tudo, apesar de ser muito eficaz. Posso até dizer que faz
milagres. Vamos ter de impor limites às candidaturas – as
pessoas submetem demasiadas. No último concurso de pro-
jetos chegou a haver investigadores a submeter mais de dez.
Farão isso para aumentar as hipóteses de ter algum projeto
financiado, já que a taxa de aprovação da FCT é baixíssima.
Mas não pode ser! É preferível investir na qualidade e subme-
ter uma candidatura forte. Porque os recursos são e sempre
serão finitos.
Vamos ao Espaço, o seu tema do coração...
(Risos)
É claramente uma aposta do Ministro da Ciência!
Minha e do Governo português. Queremos mostrar que o
Espaço é a melhor forma de olharmos para o planeta e uma
maneira de criar emprego qualificado e bem remunerado. É
também uma forma de aumentar a cultura científica porque
atrai talentos. Basta ver que o curso de média mais alta [em
Portugal] é Engenharia Aeroespacial. Há trinta anos ou há
vinte era uma visão, passado este tempo de participação na
Agência Espacial Europeia estamos numa posição, melhor do
que nunca, de dar este salto.
O que pretende conseguir com esta aposta no setor espacial?
Quatro desafios: criar o planeta digital e com esta informação
criar novos serviços com base em sistemas avançados de infor-
mação, como o cadastro automático, a agricultura de precisão,
pescas, mobilidade urbana; construir um verdadeiro planeta
digital e para isso estamos a avançar com uma constelação
de pequenos satélites, com imagens mais baratas e com a
colaboração de pequenas empresas; para ter estes satélites é
preciso que exista forma de os lançar e por isso apostamos no
pequeno porto espacial nos Açores - há empresas portuguesas e
estrangeiras que querem trabalhar connosco e temos um plano
para que esteja ativo até 2023. Em quarto lugar, sabemos que
uma questão crítica é a utilização do 5G, desde o interior do
país até à plataforma portuguesa porque só por satélite será
possível ter a distribuição de novos protocolos de telecomu-
nicações. Estes quatro objetivos são a forma de avançar na
nossa estratégia espacial.
É óbvio que o sonho do Espaço é irresistível. Mas fará sen-
tido para Portugal, um país sem tradição nesta área? Não
faria mais sentido apostar na área das Ciências da Vida,
por exemplo, onde somos mais fortes?
Nós apostamos em todas as áreas, cada uma tem os seus de-
safios. Nas Ciências da Vida, em que Portugal tem capacidade
científica clara, temos alguma falta quer ao nível regulamentar
quer ao nível da implementação. No setor do Espaço, a apos-
ta é naquilo a que chamo ‘o novo Espaço’. Onde está uma
muito grande oportunidade emergente, através de pequenas
e médias empresas que, através do PT2020, apostaram neste
setor. Temos uma janela de oportunidade associada ao nosso
posicionamento atlântico. Os principais países que estão a
apostar, no contexto europeu, são precisamente os mais pe-
quenos, como o Luxemburgo. O que mudou no Espaço foi a
possibilidade de fazerem parte pequenas empresas, de pequenas
regiões, sobretudo na economia do novo espaço, associada à
monitorização da Terra. Representa ainda uma possibilidade
de atrairmos empresas para Portugal.
MANUEL HEITOR