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retor clínico do Hospital Beatriz Ângelo.
No fundo, a sépsis acabou por se tornar
no modelo de aplicação de um sistema
de machine learning, concebido para
antecipar o diagnóstico.
Para a construção da ferramenta foram
usados dados de 90 mil episódios clínicos
e que serviram para ‘ensinar’ o sistema.
“O sistema leu os dados dos doentes,
estes foram processados e depois foi dada
informação sobre quem veio a desenvol-
ver sépsis e quem não chegou a sofrer
desta infeção grave”, resume o médico
intensivista João Colaço que tem estado
muito envolvido no desenvolvimento
do equipamento. “Acabaram por ficar
cerca de quinze variáveis, cada uma com
um determinado peso, estimado pelo
algoritmo”, detalha João Colaço.
UM POR CENTO DAS URGÊNCIAS
ACABA EM SÉPSIS
“Como é tão difícil de detetar, muitas
vezes a sépsis escapa-nos por entre os
dedos”, diz Carlos Palos. E há profissio-
nais que podem não estar tão despertos
para o problema, que acaba por afetar
O sistema de IA ainda tem de ser
validado, mediante a publicação
de um artigo científico. Mas o
internista João Caroço já pensa
na sua aplicação na deteção
antecipada de outras patologias
Por melhor que seja o sistema “nada
substitui a relação de confiança
médico/doente”, sublinha do Diretor Clínico
do Hospital de Loures, Edgar Almeida
Carlos Palos tem a seu cargo o
controlo da infeção no Hospital
Beatriz Ângelo, em Loures, e estima
que, por dia, três dos pacientes
que chegam à unidade de saúde
acabam por desenvolver sépsis
um por cento da população que acorre
à urgência hospitalar. “Num hospital
como o Beatriz Ângelo, são três doentes
por dia”, nota o especialista.
Neste momento, o programa está a ser
usado em todos os doentes internados
em Loures, atualizando-se hora a hora,
tendo por base os dados laboratoriais e
clínicos. Sempre que se deteta risco de
sépsis gera-se um alerta que aparece a
vermelho no processo do doente. Quanto
mais cedo se iniciar a terapêutica, que
passa por antibióticos específicos e às
vezes por uma intervenção cirúrgica para
eliminar os tecidos afetados, maior a
probabilidade de haver um desfecho fe-
liz, sendo que a mortalidade associada
ao choque séptico (a forma mais grave
de sépsis) ronda os trinta por cento. “É
muito importante agir precocemente
para não se chegar a este nível”, reforça
Carlos Palos.
Numa auditoria feita ao sistema foram
considerados mais de 600 doentes, nos
dez primeiros dias de internamento. Nes-
ta população geraram-se quatro alertas,
três deles vieram a corresponder a uma
evolução para sépsis.
Além de alertar para a sépsis, o sis-
tema mostra quais os parâmetros que
contribuíram para este risco aumentado.
“Normalmente os sistemas de machi-
ne learning são opacos. Neste caso, é
transparente e informa o clínico acerca
das variáveis que indiciam suspeição. Ou
seja, o médico fica a saber exatamente
o que se está a passar”, sublinha João
Colaço.
Nos falsos positivos, a mensagem a
reter é que se trata de uma situação po-
tencialmente grave, mas que não é sépsis.
“O sistema parece funcionar muito bem
a apanhar doentes críticos, que estão a
sofrer um AVC, enfarte, falência hepá-
tica”, exemplifica João Colaço.
Outra evolução do sistema – que terá
ainda de passar por um processo de va-
lidação pelos pares, com publicação de
um artigo científico – será o envio dos
alertas, como mensagem para o tele-
móvel dos profissionais de saúde. “Com
a publicação do artigo científico é natural
que venha a despertar o interesse a ní-
vel internacional, até porque não existe
nada deste género aprovado”, diz Edgar
Almeida. “Queremos que seja válido no
Canadá, no Dubai e em Moçambique.”
Todos os médicos envolvidos neste
projeto deixam o alerta: este não é um
sistema de diagnóstico de sépsis e nada
substitui nem se sobrepõe à decisão mé-
dica. “A relação de confiança entre mé-
dico e doente não pode ser substituída.
É a parte mais nobre do ato médico”,
sublinha Edgar Almeida.