Revista Aventuras na Historia - Brasil - Edição 159 (setembro de 2016)

(lenilson) #1

N


o fim dos anos 1970, todo mês
de julho, a vida noturna das
grandes cidades animava-
se. Em época de férias, com mulher e
filhos distantes para descansar me-
lhor, exauriam-se os maridos: “as
cigarras”, como eram chamados. Sua
presença em boates, nightclubs e todo
tipo de casa noturna azeitava o fatu-
ramento da indústria da prostituição,
um negócio com muitos interesses.
No meio do ano, ba-
tiam-se recordes. Não só
o preço das prostitutas
subia mas também a ven-
da de bebidas alcoólicas
e drogas, a frequência
de hotéis e motéis e até
porteiros de boates eram
beneficiados. Em 1973,
apenas em São Paulo, a
polícia calculava haver
10 mil prostitutas, sendo
4 mil cadastradas. Entre essas, de
3 mil a 3 900 atuavam exclusivamen-
te na “boca do luxo”, região onde ca-
sas como La Licorne, Vagão, Teleco-
teco da Paróquia, Catedral do Samba
etc. tornavam-se terreno de caça.
Todo esse aumento da prostituição,
no entanto, não era coibido pela po-
lícia: vender sexo não é crime.

As cigarras não cantavam igual
em toda parte. A revista Ve j a, em
matéria sobre o assunto na época,
registrava as diferenças no país:
“São Paulo, sem dúvida, é o centro
nervoso desta época de apoteose –
segundo as mulheres, é na capital
paulista que está o ‘grosso do dinhei-
ro’ (...). Os cariocas são em geral me-
nos generosos do que os paulistas na
remuneração dos seus programas.

Os homens de negócios ou os senho-
res casados de cidades como Salva-
dor e Recife, por sua vez, não têm o
hábito de se afastar de suas famílias
durante as férias de verão ou inverno
(...). Os mineiros igualmente não têm
sido clientes ideais para as boates.
Eles recorrem mais às call girls, que
atendem em seus apartamentos (...)

A segunda alternativa corre por con-
ta dos encontros marcados, ainda
por telefone, com uma das call girls
recomendadas pelos barmen de uma
das principais boates da capital mi-
neira (...) sob um intrincado sistema
de código que funciona na base do
‘doutor Antônio pediu para o senhor
José ligar amanhã para ele às 10 ho-
ras’. Ou de que ‘o doutor Antônio
confirmou que vai esperá-lo amanhã
às 14 horas’. Em Brasília,
o recesso parlamentar
não chega a alterar a vida
noturna da cidade. Pelo
contrário, as boates de
música pop Kako e Sha-
lako continuam bastante
frequentadas, e a saída
dos políticos, segundo os
porteiros e ascensoristas
dos hotéis de alta catego-
ria, é compensada pela
chegada dos turistas”.
A reportagem informava ainda
que, como aves migratórias, durante
o “mês das cigarras”, as prostitutas
costumavam partir de suas cidades
para aquelas “cujos mercados se re-
velassem mais promissores”. Have-
ria uma espécie de intercâmbio entre
as casas de prostituição. O perfil das

COLUNA Histórias Íntimas


ILUSTRAÇÃO HAFAELL

OS HÁBITOS SEXUAIS SE TRANSFORMAM NO PAÍS


CIGARRAS


O MÊS DAS


Dos bordéis às boates
e casas de massagem,
e destas para as telas do
computador, a prostituição
confirma ser a mais velha e
maleável profi ssão do mundo

56 | AVENTURAS NA HISTÓRIA

AH159_COLUNA.indd 56 8/2/16 8:11 AM

Free download pdf