O Tempo (2020-12-02)

¬ALEX BESSAS

¬Para além de ser uma tra-

dição repetida há gerações,

neste ano, para a família da

advogada Bárbara Faria,

34, o ato de decorar a casa

para esperar o Natal ga-

nhou dimensões novas.

Cumprindo os rituais católi-

cos, ela reuniu a mãe Maria

Valéria, 59, e a filha Alice, 4

para se dedicar à ornamen-

tação do ambiente no pri-

meiro domingo do Adven-

to, tempo litúrgico que an-

tecede o nascimento de Je-

sus Cristo e começa quatro

semanas antes do dia 25 de

dezembro, portanto no dia

29 de novembro.

Há três dias, ela havia

perdido um irmão para a

Covid-19. “Como todo mun-

do, eu também tive um ano

muito complicado, turbu-

lento, principalmente ago-

ra, com a morte dele, que

era como um pai para mim.

Uma das formas que encon-

trei de distrair minha filha e

minha mãe foi resgatando es-

sa história de família e fazen-

do desse momento uma

oportunidade de ficarmos

juntas”, comenta. Bárbara

escolheu cores fortes na de-

coração natalina. “Foi uma

forma de alcançar esse senti-

mento positivo que o Natal

sempre ofereceu para nós.

À noite, quando perco o so-

no, sempre acendo todos os

enfeites, ligo o Papai Noel e

fico ouvindo as canções na-

talinas. É algo que me traz

boas lembranças, que me re-

mete a sentimentos bons”,

reforça.

Ainda que com menos in-

tensidade, outros relatos de-

monstram como os enfeites

de Natal ganharam, em

2020, um viés até terapêuti-

co para muita gente. Em no-

vembro um grupo de mora-

dores de um prédio de Conta-

gem, na região metropolita-

na de BH, questionou o esta-

tuto do condomínio, que per-

mitia que a decoração natali-

na que fica visível aos vizi-

nhos fosse feita apenas a par-

tir de 6 de dezembro. Em con-

versas pelo WhatsApp, eles

destacaram que queriam ini-

ciar antes as ornamentações

por este ter sido um ano atípi-

co e com poucas “notícias ani-

madoras”, pois acreditam

que a iniciativa traria um

“efeito benéfico”, principal-

mente para as crianças.

Através de uma enquete,

ficou evidente que a maioria

desejaria já colocar guirlan-

das e pisca-piscas em suas ja-

nelas. Esse “efeito benéfico”

citado pelos condôminos en-

contra eco nas análises da psi-

cóloga clínica Simone Miran-

da Felipe. Para ela, essa am-

bientação traduz o desejo

de, por meio de dinâmicas ex-

ternas, alcançar uma sensa-

ção de bem-estar, mesmo em

dias mais atribulados.

“Ao enfeitar a casa com

coisas que me remetem a

emoções positivas, estou ten-

tando criar condições que fa-

cilitem que eu alcance um es-

tado de contentamento”, re-

sume. Nesse sentido, conside-

rando o período de turbu-

lência, faz sentido o desejo

de antecipar o erguer de ár-

vores natalinas. “Para a

maioria das pessoas, o 25

de Dezembro é uma data

que supõe a sensação de fe-

licidade e de alegria. En-

tão, quanto antes esse pe-

ríodo chegar, melhor. Ao

adiantar a montagem dos

enfeites, é como se a gente

se convidasse a sentir essas

emoções mais cedo”, anali-

sa a especialista em neurop-

sicologia.

7

Foi a dimensão de um

luto em que a tristeza

não é anulada, mas em que

valorizam as boas lembran-

ças, que mobilizou a advo-

gada Bárbara Faria a se de-

dicar aos preparativos para

o Natal três dias após a mor-

te do irmão. “Na infância,

lembro que minha mãe

sempre cumpria esse ritual.

Minha avó também. Ela fa-

zia presépios artesanalmen-

te. Eu me recordo de a gen-

te passear por Belo Horizon-

te, à noite, vendo as casas

iluminadas. A gente ficava

deslumbrada”, rememora,

mencionando que, casada

há três anos, manteve-se fiel

ao hábito. “É algo de que

nunca abri mão. E minha so-

gra também enfeitava a casa

toda, então isso é muito es-

pontâneo para nós. Minha fi-

lha está crescendo com esse

costume também”, garante.

De tão apaixonada por de-

coração, Babi se tornou orga-

nizadora de eventos. Ela diz

que os enfeites são parte im-

portante de qualquer festivi-

dade. “O que motiva esse

hábito é comemorar, regis-

trar um momento especial.

Existe um anseio de dividir

experiências com outras pes-

soas, de criar um ambiente

aconchegante, mas que seja

marcante. No Natal, não se-

ria diferente”, opina. “Não

só pela estética; é por um

apelo afetivo que está por

trás desse ato, de que vai che-

gando o fim do ano vamos

deixando mais explícitos sen-

timentos que o 25 de Dezem-

bro traduz”, conclui. (AB)

Tradição familiar

Viés terapêutico

Na casa de Bárbara Faria,

os tradicionais enfeites de

Natal se tornaram ainda

mais especiais nestes

tempos de pandemia

Costume

A pequena

Alice, 4, filha

de Bárbara

Faria, assim

como toda a

família, é apai-

xonada pelo

Natal e, a ca-

da ano, tem

ajudado a

decorar a ca-

sa para a che-

gada de Papai

Noel

ARQUIVO PESSOAL

Memória afetiva estimula interesse

Coach fala

de poder

curativo

7

A coach de desen-

volvimento de pes-

soas e bem-estar Marli

Medeiros acredita que,

para boa parte das pes-

soas, o Natal representa

memórias de família, de

momentos de confrater-

nização e, para alguns,

de religiosidade, que po-

dem ser reabilitados nes-

te momento. “É bom vi-

ver esse ritual e trazer à

tona essas recordações

e esses sentimentos asso-

ciados a elas. São símbo-

los que trazem significa-

dos”, reflete.

Ela acredita ainda

que a montagem desses

enfeites pode ter um

efeito terapêutico. “É al-

go que é curativo, que

pode apaziguar momen-

tos de mal-entendidos,

que vieram com essa

convivência contínua e

inesperada daqueles

que puderam e que fica-

ram em casa, precisan-

do conviver por mais

tempo”, argumenta,

complementando no-

tar, neste ano, um esfor-

ço maior de fugir de

uma cartilha pautada pe-

lo consumismo.

“Noto que há uma va-

lorização que não era

tão comum da presença

do outro, mesmo que a

distância, o que pode

nos fazer repensar o sig-

nificado da data”, apon-

ta. (AB)

Natal. Ao se antecipar ornamentação, pessoas buscam adiantar os sentimentos positivos associados à data

Em um ano atípico,

montar a árvore e

preparar os enfeites

tem efeito benéfico

LUCAS ABRAÃO/DIVULGAÇÃO

Decoração natalina torna-se

atalho para o bem-estar

Em debate

Saiba mais. A tradição

da decoração do Natal é

o assunto do programa

de hoje, às 14h, na rádio

Super 91,7 FM e nas

plataformas digitais de

O TEMPO.

O TEMPOBelo Horizonte| QUARTA-FEIRA, 2 DE DEZEMBRO DE 2020 | 15

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