Elle - Portugal - Edição 386 (2021-01)

(Antfer) #1
IMAGENS: IMAXTREE (3) - OLIVIERO TOSCANI (1)

CRIADORES


28 ELLE PT


figura icónica, criando vestidos-pinturas a partir de telas pouco
conhecidas do pintor português Júlio Pomar, obras essas que
descobriu por acaso, em Lisboa, enquanto ainda discutia o seu
futuro cargo na Kenzo – quase que se pode considerar isto um
sinal divino. De qualquer forma, foi o tigre que se transformou
no pretexto para voltarmos a ver Felipe Oliveira Batista, alguns
meses após o desfile. Mas, mais tarde, voltaremos a este ponto.

CONHECEMO-NOS HÁ CERCA DE 15 ANOS. Na altura, ele
apresentava, num showroom parisiense, casacos com cortes
arquitetónicos e vestidos habilmente drapeados desenhados
para a sua marca própria. Felipe cresceu em Lisboa mas faz
questão de dizer que foram os anos que passou nos Açores,
onde morava com os pais e a avó materna (com quem, mais
tarde, passaria todos os verões), que marcaram mais a sua vida.
Até porque foi ali, no meio do Atlântico, que ele nasceu, no
“quente verão de 1975”, o ano em que Portugal vibrava com
uma intensa energia revolucionária depois de se ter libertado
do regime ditatorial de Salazar. «Cresci num país que tinha
acabado de emergir de 40 anos de ditadura», recorda ele. «Um
país onde a abertura cultural tem sido muito gradual. Mas eu
tive múltiplas oportunidades na vida de abrir horizontes, o meu
pai era piloto de avião... Aliás, é bastante bonita a história de
como os meus pais se conheceram, lá, na base aérea dos Açores...
Até porque o meu pai descende de um dos navegadores que

descobriu o arquipélago dos Açores, se recuarmos muitíssimos
anos na História. De qualquer forma, fosse qual fosse a situa-
ção, graças à profissão do meu pai, eu podia sempre viajar para
outros países. E, de facto, mantive esse gosto pelas viagens».

DEPOIS DE ESTUDAR NA KINGSTON UNIVERSITY, em
Londres, trabalhou durante um ano na Max Mara, em Milão,
e depois mudou-se para Paris, onde arranjou emprego no es-
túdio de Christophe Lemaire. Após ter conquistado o Grande
Prémio do Festival Internacional de Moda e Fotografia Hyères
em 2002, fundou sua própria marca no ano a seguir, e, em
2003 e 2005 ganhou o Prémio Andam, duas vezes. A marca
manteve-se viva até 2014 mas, entretanto, Felipe Oliveira
Batista assumiu a direção artística da Lacoste: de 2010 a


  1. Trabalhou para transformar a marca que até então tinha
    uma forte ligação ao ténis e que muitas vezes era reduzida
    ao famoso polo, em algo mais arrojado, mais alta-costura. O
    indicador constantemente usado para citar o sucesso dessa sua
    estadia na Lacoste é a faturação da “marca do crocodilo”, que
    passou de um bilhão em 2009 para mais de dois bilhões em

  2. Foi assim que Felipe Oliveira Baptista se tornou um
    designer “faturável”... E como tinha um presidente que lhe
    dava espaço, conseguiu continuar a ser o arquétipo do bom
    designer: normal, sensível, prestável e equilibrado, contando
    sempre com o apoio de Séverine, sua mulher e mãe dos seus
    dois filhos, que conheceu na Lemaire e que hoje trabalha ao
    seu lado, como diretora do atelier, na Kenzo.
    Para esta entrevista, marcámos encontro, em meados do
    verão de 2020, na sede da marca, na rue Vivienne, no 2º ar-
    rondissement de Paris. Somos levados para uma grande sala
    cúbica mobilada com uma mesa branca, algumas cadeiras, e
    dois sofás Terrazza, de Ubald Klug, colocados em cada um dos
    lado de uma janela generosa; um moodboard da coleção que
    foi mostrada no final de setembro ocupa uma parede inteira
    da divisão. Este espaço, que se parece com a sala de reuniões de
    atelier, é na verdade o escritório deste designer metódico, que
    sabe para onde quer levar a marca que apostou fortemente no
    streetwear ao longo dos últimos anos. «A Kenzo é uma Maison
    com um património rico, que foi um tanto ou quanto esque-
    cido», comenta, enquanto liga a máquina de café escondida
    em um de armários. «O meu objetivo não é fazer tábua rasa
    da dimensão que o sportswear ganhou recentemente. Aliás,
    esta estação lançámos, inclusivamente, uma linha dedicada
    a esse segmento: a Kenzo Sport, que se tornará cada vez mais
    técnica com o tempo. Mas, aquilo que quero fazer em relação
    à linha principal, é oferecer um guarda-roupa mais completo.
    Sinto-me apegado a esta noção de pós-sportswear. Claro que o
    pronto-a-vestir foi buscar muito ao guarda-roupa desportivo;
    habituámo-nos ao conforto que ele proporciona. Mas hoje todos
    usam ténis e t-shirt, e isso acabou por se tornar em algo banal e,
    francamente, um pouco aborrecido. Obviamente que não vamos


«HOJE TODOS
USAM TÉNIS E
T-SHIRT, E ISSO
ACABOU POR
SE TORNAR EM
ALGO BANAL E,
FRANCAMENTE,
UM POUCO
ABORRECIDO.»

Imagens da primeira
coleção de Felipe
Oliveira Batista para
a Kenzo, FW20.
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