Elle - Portugal - Edição 386 (2021-01)

(Antfer) #1
ELLE PT 29

voltar a usar roupas que nos apertam
ou que nos magoam. Mas acho que é
possível criar algo que seja fácil de usar
mas apostando em materiais e cortes
mais sofisticados, que tenham mais
forma e que tenham um aspeto mais diferenciador. Gosto desta
ideia de conforto combinado com elegância.»


COMO TODOS QUE ACABAM DE CHEGAR a um lugar de
direção de uma marca, Felipe Oliveira Batista começou por
investigar os arquivos da Kenzo. Contudo, ele também olhou
para si mesmo, como se fosse iniciar um diálogo criativo ima-
ginário com Kenzo Takada. «Percebi que tínhamos feito coisas
esteticamente diferentes, mas bastante semelhantes em termos
de filosofia», afirma. «Ambos trabalhamos nesta união entre o
corpo e a roupa, no respeito pela natureza e na necessidade de
a proteger. Quando faço casacos grandes inspirados nos trajes
tradicionais dos Açores, ou casacos tipo aviador, que remetem
para a história do meu pai, estou também a falar um pouco sobre
mim, mas quase poderia ser sobre Kenzo Takada também. O
meu trabalho é criar uma espécie de pingue-pongue: tento
trazer coisas minhas para Kenzo e coisas da Kenzo para mim.
Portanto, provavelmente, há um pouco de nós dois em cada
uma das peças que desenho». E esta convergência entre estes


dois mundos não é o único aspeto positivo: quem conhece a
história da marca sabe que os seus valores fundamentais são a
abertura ao mundo, a diversidade e o respeito pelo planeta. Ou
seja, os valores de hoje, aqueles nos quais o mundo da moda
tenta desesperadamente encontrar-se hoje em dia.
«Com esta ideia de um fim do mundo eminente, como
nos é relembrado permanentemente, temos que ter um bom
motivo para querer comprar uma peça de roupa, certo?» ques-
tiona o designer. «O fast fashion criou um enorme problema
ao fazer-nos conceber esta ideia de que a moda é um produto
de consumo como qualquer outro, algo descartável; não é
normal que umas calças de ganga custem tanto como uma
sandes. Temos que garantir que a forma
como compramos mude mesmo. Até lá, o
papel de uma marca de luxo como a Kenzo
é mostrar que existem peças de roupa que
duram e são exclusivas. Peças que marcam
a diferença e justificam a sua compra. Cada
coleção cápsula deve ter um propósito». E
é neste momento que voltamos à conversa
do tigre que colocámos em pausa lá atrás...
Quando chegou à marca, Felipe Olivei-
ra Baptista encarregou o atelier de design
gráfico M / M (em Paris), de reformular
o logotipo da marca: o icónico felino. O
tigre, que foi revisto e refeito, faz parte de
uma coleção cápsula que está impregnada
de boas intenções: uma série de t-shirts,
vestidos e casacos que nasce de um compro-
misso de dois anos com o WWF e que foi
lançado no pop-up parisiense da marca. O
objetivo é apoiar financeiramente as ações
da organização, que tem como meta duplicar a população de
tigres selvagens no mundo até 2022. As peças são confeciona-
das em algodão GOTS (Global Organ Textile Standard), que
consegue este certificado graças a uma exigente garantia de
que em todo o processo o produto é feito de forma orgânica,
desde o cultivo até ao tingimento. «Se não pararmos rapida-
mente vamos estar a consumir roupa à mesma velocidade
com que comemos», diz o designer enquanto recorda o facto
de que o algodão sempre foi o material de eleição do senhor
Takada. Mas o que pensaria ele de tudo isto, afinal? Antes
da sua morte, ele e Felipe Oliveira Batista encontraram-se
durante um almoço, logo após sua contratação. «Com muita
ingenuidade, ele disse-me: “Deve ser tão difícil fazer o seu
trabalho! Tantas coleções, desfiles, merchandising...” O mundo
e o negócio da moda mudou tanto que o trabalho de designer
lhe parecia totalmente diferente daquele que ele tinha ...
Mas depois ele veio ao meu desfile e enviou-me um pequeno
cartão com palavras muito bonitas. É importante para mim
sentir que o meu trabalho tinha o seu apoio». n T. A.

Na imagem:
Kenzo Takada,
fundador da
Kenzo.
À direita:
Imagem do
desfile de SS21.

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