Elle - Portugal - Edição 386 (2021-01)

(Antfer) #1
ELLE PT 57

Ser mãe de crianças pequenas pode parecer já de si uma quarentena.
À medida que as creches, parques infantis e escolas de música fechavam,
o tédio implacável dos mais pequenos pesava sobre muitas mães, espe-
cialmente aquelas que vivem em espaços pequenos e sozinhas. Mas a pre-
sença de crianças trouxe também uma bem-vinda distração da realidade.
Fiquei consciente da passagem do tempo não por forças externas, mas por
acontecimentos extremamente íntimos como o meu filho a aprender a
gatinhar e a minha filha deixar de usar fraldas. Passei a estar intensamente
sintonizada com cada pequeno marco do desenvolvimento dos meus filhos
que, de outra forma, teria certamente perdido.
O confinamento deu-me algo positivo, pelo qual sou imensamente
grata. Foi o poder estar dividida entre querer acelerar toda esta pandemia
e saltar para o fim de tudo – seja lá o que isso for – e sentir-me culpada
por, ao fazer isso, estar a desejar estar longe das infâncias dos meus filhos.
Como lhes vou explicar no futuro – de forma adequada e precisa– como
era a vida antes da primavera de 2020? Como vou dizer ao meu filho
que a sua vida, pelo menos os seus primeiros seis meses, foi ofuscada por
uma pandemia nunca antes vista?
Tenho a certeza de que os sinos da nossa ansiedade coletiva vão acalmar
com o tempo e que esta crise de saúde global se resumirá a algumas novas
rotinas. Mas, entretanto, estivemos separados; fecharam os restaurantes e
as lojas; muitas pessoas perderam os seus empregos e algumas perderam
as suas vidas. Daqui a um século, estes meses serão vistos como um tempo
abstrato, como todos os momentos históricos quando refletimos sobre eles.
Um dia, a minha filha não se vai lembrar de nada: a gelatina da Peppa
Pig pela qual ela era obcecada ou o facto de não poder sair de casa mais
de uma vez por dia durante meses. As crianças podem esquecer as tenta-
tivas desajeitadas dos pais lhes darem aulas em casa. Os adolescentes vão
lembrar, com sentimento de perda, as festas e festivais cancelados. Mas,
o que quer que escolhamos lembrar ou esquecer, 2020 foi o ano que nos
mudou. n O livro How Do We Know We’re Doing It Right?, de Pandora Sykes,
está disponível na Amazon.

O NOSSO LEGADO


Tendo em consideração que tive o
meu segundo filho recentemente, eu e
o meu marido somos a única vida social
um do outro. Já éramos mestres da hi-
bernação; a nossa conversa tão limitada
quanto os nossos passos cansados. Tam-
bém significava que estávamos – como
dizê-lo de uma forma suave? – bastante
ansiosos de ver outras pessoas. E, apesar
da frase “até que a morte nos separe” ter
assumido um novo tom, sinistro, estava
genuinamente grata por ter alguém em
quem me apoiar.
Agora, quando as pessoas falam de
luxo utilizam novos termos – o máximo
já não é ter a it bag da estação ou ir de
férias para as Maldivas mas sim ter um
jardim – mas confesso que estou muito
grata por estar fechada em casa com al-
guém com quem não me envergonho de
partilhar ansiedades ou preocupações.
Para os solteiros, habituados à sua liber-
dade absoluta, a logística do romance
tornou-se extremamente desafiante. O
namoro online tornou-se o único namoro
possível e a coluna Blind Date do jornal
The Guardian foi mostrando como os
encontros amorosos se adaptaram a este
momento histórico. Li, por exemplo, as
avaliações educadas e gentis do seu date
virtual feita por duas mulheres, sem o
tom amargo da ansiedade da vida real ou
o olhar crítico de quem tem milhares de
opções. Não é de estranhar, pois, que o
uso de apps de encontros tenha disparado,
com muitos utilizadores a procurarem-nas
não para sexo, mas só para comunicar.
Abundaram rumores de orgias atra-
vés do Zoom e a Badoo, uma platafor-
ma de encontros virtuais, revelou que
49% das pessoas nas apps de encontros
estavam a ter conversas mais longas.
E, um dia que fui ao parque, reparei
que casais de adolescentes trocavam
carícias furtivas nos joelhos e beijos –
longe do olhar dos pais, cumpridores
da lei. Questionei-me se eles se sentiam
como Romeu e Julieta; se, para eles,
havia um toque de romance proibido


em tudo isto. Separados por
forças que eles podiam subver-
ter, mas não superar. Gosto de
pensar que, quando estiver a ler
estas palavras, já estaremos a
fazer piqueniques e a abraçar
a nossa família. Será que o ro-
mance mudou? Provavelmente,
iremos dizer menos “amo-te”,
porque teremos a possibilidade
de o demonstrar. Aposto que
vamos ver mais beijos apaixonados: no
metro, na rua, nos bares. Até eu o vou fazer.

AMOR EM TEMPOS DE COVID


No pico da pandemia,
o Zoom teve 300 milhões de
participantes por dia.
Free download pdf