Quatro Rodas -Edição 739 (2020-11)

(Antfer) #1

novembro quatro rodas 113


coisa alguma em minha mala, como
imaginei que pudesse acontecer na-
quele momento de medo.
Depois de uma hora de conversa,
em que eu respondia só o que me
perguntavam, o chefe disse ao dele-
gado que eu podia ser liberado, mas
somente após duas horas. E, antes
de sair, me encarou novamente e
falou, de modo que só eu escutasse,
que eu havia dado muita sorte de ter
ficado quieto, senão aquela história
teria outro final.
Fiquei indignado com toda a si-
tuação e minha vontade era de fazer
uma matéria relatando tudo o que
havia acontecido. Meu tio Heitor
Feitosa, jornalista mais experiente,
me convenceu de que o melhor a fa-
zer seria esquecer o ocorrido, certo
de que aquele chefe de polícia, com
toda a força que deveria ter, poderia
me prejudicar.
Pode ser coincidência, mas che-
gamos à conclusão, eu e meu tio, de
que ele havia feito aquilo justamen-
te porque eu trabalhava na Editora
Abril, a mesma casa da Veja, que
meses antes havia denunciado ar-
bitrariedades de um chefe do Dops
(Departamento de Ordem Política e
Social). Naquele tempo, nós vivía-
mos em plena ditadura militar.
Seja lá como for, naquele dia
respirei aliviado e pude seguir com
o Miura rumo à pista de testes. Não
pense você, porém, que esse foi o
único incidente da viagem. Eu ti-
nha saído de Porto Alegre pensan-

do em chegar em Limeira à noite,
para testar o carro no dia seguinte,
e entregar a matéria escrita, no má-
ximo, dois dias depois. Aquelas ho-
ras na delegacia, somadas a outras
duas paradas em postos rodoviários,
atrasaram meus planos. Fui parado
porque o carro não tinha placas, só
uma licença de deslocamento en-
tre Porto Alegre e São Paulo e, além
disso, como os guardas não conhe-
ciam o modelo, ainda me seguravam
olhando o esportivo.
Acabei dormindo na estrada e,
quando cheguei à capital paulista,
por volta das 9 horas da manhã do
dia seguinte, peguei o início da Ro-
dovia Anhanguera e, mais uma vez,
fui parado, no posto rodoviário que
ficava bem no início da estrada.
O policial me perguntou para
onde eu estava indo. Ele já tinha vis-
to pela licença, que ficava no vidro
lateral do Miura, e disse que o carro
teria de ser apreendido porque não
podia seguir até Limeira, já que ti-
nha chegado a São Paulo.
Tentei argumentar que aquela
detenção não podia ser feita porque
ele mesmo não tinha deixado eu sair
da capital paulista, já que o posto da
Polícia Rodoviária estava no muni-
cípio de São Paulo. Ele falou que o
que valia era a minha confissão di-
zendo que iria para Limeira e reco-
lheu o Miura, que só consegui retirar
dias depois, com a emissão de uma
nova autorização que permitia rodar
com o carro até Limeira.

Por causa desse atraso, perdi o
prazo de fechamento da edição de
fevereiro. Os contratempos não ter-
minaram com esse episódio, porém.
Na pista de testes, foi a vez de o
carro aprontar, se revelando bem
mais lento que a VW Brasília, veículo
do qual o esportivo usava o motor. O
Miura ficou quase 1 segundo atrás da
perua nas provas de aceleração de 0
a 100 km/h. Eu não costumava reve-
lar os tempos obtidos pelos carros de
teste para os fabricantes antes de sua
publicação, mas, naquele caso, achei
melhor avisar o Aldo Besson, imagi-
nando que o motor daquela unidade
pudesse estar com algum problema.
Foi eu falar e ele enviou um pre-
parador para conferir a regulagem
do motor e pediu que a medição de
0 a 100 km/h fosse feita por um pi-
loto (que corria de JK em Interlagos).
Com o motor revisado, o tempo do
piloto foi meio segundo mais lento
que o meu (que foi o publicado).
Não demorou para eu descobrir
que a razão da lentidão do esportivo
era o peso, 200 kg a mais que o da
Brasilia. Quando soube, o Aldo me
explicou que, preocupado com a se-
gurança, ele utilizava várias cama-
das de fibra de vidro na carroceria,
mas, que dali em diante, diminuiria
um pouco para o carro pesar menos
e andar mais. Tempos depois, soube
de outra providência: a fábrica sus-
pendeu os empréstimos de carros. O
teste de QUATRO RODAS foi o único
com os Miura dessa safra.

O policial chegou


bem perto, me


encarou, disse


que minha cara


não era estranha


e mandou


vistoriar o Miura


e a bagagem


Página dupla
de abertura: o
teste do Miura
foi publicado
na edição
224, em
março
de 1979

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