Viaje Mais - Edição 170 (2015-07)

(Antfer) #1

130


NA BAGAGEM


As histórias vividas pela redação


VIAJEMAIS

Viagens com papai


PORKAREN ABREU

M


eu pai já foi um
su jeito descola-
do. Com 20 e
pou cos anos, na década de
1970, época em que tec nolo -
gia e computadores nem re-
motamente seriam assunto
entre amigos, ele traba lhou
na sede pau listana da IBM, a
empresa norte-ameri cana de
processamento de dados ele -
trônicos – e, para ficar a par
desse então admirável mundo
novo, chegou a fazer um curso
nos Estados Uni dos.
Como todo rapaz que co -
meça a trabalhar e a juntar
um dinheirinho, ele logo
com prou um carro, um Fusca
ano 1972, que virou seu fiel
companheiro de viagem. Era
só chegar o fim de semana e
o mês de férias para os dois
caírem na estrada, rumo a
fes tas e exposições agro pe -
cuárias pelo País afora. Mas
havia também tripspara fazer
singelas visitas fami liares, fos-
sem no Rio Grande do Sul
ou em Minas Gerais. E foi
numa dessas esca padas roti -
neiras que Ru bens (ah, sim,
esse é o nome dele) resolveu
que o tempo de dicado a São
Paulo e à “esbórnia” ti nham
sido suficien tes.
Ele então foi embora para
Minas, casou, vieram os filhos
(eu e meu irmão) e aí o bar e
res taurante... Um cotidiano
prosaico se instalou, e aquele

de tantos anos e ao sentir a
ener gia da galera no estádio.
O resultado foi tão me lhor do
que a enco men da que eu e
meu irmão com binamos de
levá-lo para co nhe cer outro
lugar assim que possível.
Em 2014, porém, foi tanta
correria que não deu tempo
sequer de pensar em viajar.
Chegou 2015, e com ele uma
notícia chatíssima: papai está
doente. As viagens de família
agora estão limitadas a São
Paulo, onde mo ro, e Alfenas
(MG), onde ele vive e está se
tra tando. O mais surpreen-
dente é que, nes ses encontros,
s-e-m-p-r-e o vejo como na -
queles momen tos em Salva -
dor: alegre e com o mesmo
brilho nos olhos quando fala
do que está por vir. Às vezes,
ele solta: “Não esqueci que
vocês disseram que vão me
levar para viajar de novo!”. E
dá um jeito de mencionar a
Grécia, a Tur quia, o México...
Como são curiosos os ga -
tilhos que certas situações dis-
param em nossa vida. A ida a
Salvador despertou o viajante
que meu pai foi um dia. E eu,
que só conheci o mar aos 10
anos de idade, me tornei uma
jornalista de turismo e virei
uma espécie de “descobridora
dos sete ma res”. Então, qual-
quer que seja o lugar escolhi-
do, nós vamos viajar juntos
de novo, ô se vamos.

va com meus pais tais passeios
eram bissextos, depois que saí
para estudar e trabalhar em
outra cidade é que a coisa não
rolou mais mesmo. Foi pre -
ciso uma série de revira voltas
e conjunções astrais para que
finalmente em 2013, quando
já fazia muito tempo que eu
morava em São Paulo (SP),
desse certo de eu, meu irmão
e “seu” Ru bens viajarmos para
Salva dor (BA).
Tínhamos ingresso para
assitir ao jogo do Bra sil na Co-
pa das Con fe derações, mas,
mais do que a vitó ria do ti me,
o que va leu mes mo foi ver a
alegria do papito, como eu
cari nho sa mente o chamo, que
parecia uma crian ça que pela
primeira vez põe os pés
para fora de casa. Os
olhos de le brilhavam
ao andar pelas la deiras
centenárias do Pe -
lourinho, ao mo lhar
os pés no mar depois

irresistível chamado vindo da
estrada emudeceu totalmente.
Com um dia a dia sempre
conturbado por parte dele,
acabamos fazendo pou quíssi -
mos roteiros em fa mília. Mas
um deles foi ines quecível: a
via gem em que, aos 10 anos,
vi o mar pe la pri meira vez. Foi
em San tos, no litoral pau lista


  • e avistar aquela infinitude de
    água, os prédios, uma igre ja
    gótica e o supermercado Peral -
    ta, que vendia uma por ção de
    produtos diferen tes dos que
    eu costumava ver lá no interior
    de Minas, fo ram as principais
    atrações. É que meu pai botou
    o car ro na ga ragem e, alegando
    que pre ci sava descansar, não
    dava a mínima para todas as
    delícias que cercam um verão
    na praia: sim ples -
    men te dividia o tem-
    po en tre uma breve
    passada na orla e o
    res tante do dia no apê.
    Se quando eu mora-


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