Placar - Edição 1469 (2020-11)

(Antfer) #1

NOV | 2020 45


Falastrão e irascível,
Vianna protagonizou inúmeras
histórias absurdas como juiz,
no Brasil e em duas Copas do Mundo,
numa época em que os erros eram
ainda mais comuns do que hoje

FOTOS RICARDO BELIEL

tivo título de “Ladrão. E brasilei-
ro”. “A crônica esportiva europeia
atribuiu boa parcela do resultado
inal ao juiz brasileiro Mário
Vianna, que teria tolerado o jogo
pesado e desleal dos donos da casa
e coibido qualquer tentativa italia-
na de dar o troco na mesma moe-
da.” Já o jornal italiano Gazzetta
dello Sport não poupou palavras:
“Arbitraggio scandaloso!”. Na épo-
ca, Mário Vianna airmou que os
árbitros da Fifa eram todos la-
drões. A federação mandou-lhe
um oício pedindo que se retratas-
se. Como não o fez, foi banido do
quadro da entidade.
Em setembro de 1985, o repórter
Palmério Dória publicou longa en-
trevista com o “Rambo à brasileira”.
“Firme aos 83 anos, completados
neste mês, o comentarista e ex-juiz
de futebol Mário Vianna é um fenô-
meno: nada e joga vôlei pelo menos
duas horas por dia, guia o próprio
automóvel e mantém uma imensa
popularidade na Urca, bairro da
Zona Sul carioca onde vive com a
segunda mulher, Maria, 63 anos.”
A seguir, alguns dos principais tre-
chos daquela conversa.

Como era apitar nos anos 1940 e
1950?
Vianna — uando eu comecei,
não tinha alambrado, nada.
Os campos eram todos abertos.
No Flamengo, uma árvore cobria
o vestiário onde trocávamos de
roupa, e o pessoal ali em cima, jo-
gando pedra.
O senhor chegou a ser atingido
algu mas vezes?
Vianna — Uma vez, num Flamen-
go x Botafogo, em 1943, me joga-
ram uma garrafa nas costas. Pe-
guei a garrafa, iz menção de jogar
e não joguei. Então atiraram a se-
gunda. Fui à beira do alambrado e
devolvi. Aí começaram a jogar as
cadeiras na minha direção. Eles jo-
gavam e eu devolvia.

E na Copa do Mundo?
Vianna — Em 1954, no jogo Suíça
x Itália, marquei um impedimen-
to do italiano Boniperti, que veio
com tudo para cima de mim. Ele
meteu a mão no meu peito, me
deu um empurrão e eu lhe dei um
pau (dá um soco com a mão direita
fechada na esquerda, espalmada).
Chamei um intérprete e falei: “Po-
de tirar de campo, até melhorar”.
Ele voltou e não houve mais nada.
O que faz um bom juiz?
Vianna — Ele tem de ter a lei e o
regulamento na cabeça, um prepa-
ro ísico 100% para ter bom raciocí-
nio e presença nas jogadas. O fun-
damental é saber fazer a interpre-
tação da lei.
Como anda o nível das arbitra-
gens atualmente?
Vianna — Péssimo. Tenho visto
cada coisa nos últimos tempos...
Quem eram os jogadores mais
catimbeiros no seu tempo?
Vianna — Um deles era o Heleno
de Freitas. Muito meu amigo, mas
dentro de campo... Uma vez eu pe-
di a ele que me trouxesse da Ar-
gentina o disco de tango Uno, que
acabara de ser lançado. Ele voltou
e nada de me entregar o disco. Um
belo dia, o Botafogo foi jogar con-
tra o São Cristóvão. Na hora de
assi nar a súmula, ele vem e me en-
trega o disco. Para não deixar dú-
vida, adverti-o na primeira e botei
pra fora na segunda, aos dezesseis
minutos do primeiro tempo.
Qual a sua filosofia?
Vianna — A melhor defesa é o
ataque.
Além de brigar, o senhor pratica
outros esportes?
Vianna — Meus esportes sempre
foram a natação e a dupla de vôlei.
E o senhor já apanhou?
Vianna — Sim, num jogo de ve-
detes cariocas e paulistas que eu
apitei no Maracanã. Levei um
pontapé na bunda e quase perdi as
estribeiras, mas me lembrei que
ela era mulher. ƒ

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