Placar - Edição 1469 (2020-11)

(Antfer) #1

Prorrogação


62 NOV | 2020


crônica


um tento — Mazzola —, quando Nil-
ton Santos se arvorou numa arran-
cada ao ataque. Olhei para o banco e
comprovei a lenda: Feola, nosso téc-
nico, também se esforçava, mas em
gritos: “Volta, Nilton!”, “Volta, Nil-
ton!...”. E nosso lateral, o Enciclopé-
dia, nem aí, conduzindo a pelota e
seguindo em suas passadas firmes
ao ataque... “Volta, Nilton!”, vieram
mais e mais berros do treinador.
E Nilton avançando... “Volta, Nil-
ton!” E ele, já chegando à pequena
área adversária, cena insólita na
época, para um lateral, manda pro
gol: 2x0 pra nós. E ouve-se então
Feola: “Boa, Nilton!”, “Boa, Nilton!...”.
Laterais brasileiros na esquerda de
futebol refinado e voluntariosos se-
rão muitos nas próximas décadas.
Vários deles, inclusive, chegarão a
jogar no meio-campo, com a 10. Dis-
putaremos até uma Copa com um
lateral-esquerdo reserva como titular
na meia-cancha, de nome Mazinho,
que barrará um 10 de origem, Raí.
E assim, com um “camisa 10” que já
foi 6, seremos campeões.
Ao deixar 2020, de onde venho, o
Brasil acabara de estrear nas elimina-
tórias da Copa surpreendendo a tor-
cida com mais um lateral- esquerdo
habilidoso e ofensivo, Renan Lodi,
bem na linhagem iniciada por Nilton
Santos. Ele estará substituindo outro
de mesma estirpe, Marcelo, titular
por duas Copas, 2014 e 2018, sempre
com essa pinta de “craque que arma o
time” — marcação nunca será seu for-
te, principalmente em jogos contra a
Bélgica. A habilidade, sim, tanto que
vai sempre flertar com essa migra-
ção para o meio-campo. Mas o me-
lhor exemplo do que aqui professo
vocês verão na Copa de 1982, na Es-
panha, quando envergará a casaca
meia dúzia um carioca de cabeça e
futebol enormes, de nome Júnior,
que terá seu ápice como meia avan-
çado e líder de um time com que o
Flamengo se consagrará, revelo aqui,
campeão brasileiro de 1992. E jogan-
do um futebol também gigante.

E não param por aqui os laterais-
esquerdos que disputarão Copas pela
seleção e depois serão naturalmente
deslocados para o lugar dos craques,
o meio-campo. Curioso é que com os
destros nunca se dará o mesmo. Tere-
mos, anotem os nomes: Carlos Alber-
to, Zé Maria, Nelinho, Leandro, Jor-
ginho, Cafu... E nenhum lateral-direi-
to da seleção terá destino semelhan-
te. Um deles, de nome Daniel Alves,
se aventurará, já quase encerrando a
carreira, pelo São Paulo, mas será tra-
zido pelo técnico de volta ao lado do
campo. Pela outra banda do grama-
do, jogam os que, ainda criança, co-
nheceram a bola e foram ser gauche
na vida... Como Marinho Chagas,
cracaço de petardos e mechas (lou-
ras) voadores, que por anos vai insis-
tir em dizer que é lateral, para a ale-

gria dos holandeses na Copa de 1974.
Mas nesse mesmo ano será eleito o
melhor lateral-esquerdo do mundo
pela Fifa. Teimoso, só assumirá a ca-
misa 10 ao encerrar a carreira no
ABC de Natal, no Rio Grande do
Norte, onde nasceu há seis aninhos.
Vocação é vocação.
Outros Mundiais terão o Brasil
com um meia-esquerda disfarçado
de lateral — será uma estratégia se-
creta do nosso escrete? Em 1994,
numa Copa que, acreditem, será
disputada nos Estados Unidos, leva-
remos Leonardo, habilidoso canho-
to defensivo do Flamengo que terá
seus dias no Milan e sendo cam-
peão do mundo em 1993 pelo São
Paulo ali ó, na “meiuca”. Nos States,
infelizmente, ele vai abandonar a
canhota e usar a direita, mas nesse

Júnior, no Flamengo de 1992, Leonardo, campeão do mundo pelo São Paulo em 1993, e Mazinho,
na copa de 1994, barrando raí, o 10. Muitos laterais-esquerdos foram jogar na“meiuca”

RICARDO CORREA

NICO ESTEVES NELSON COELHO

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