Clipping Banco Central (2020-12-06)

(Antfer) #1

AFFONSO CELSO PASTORE - Risco de inflação e a reação do governo


Banco Central do Brasil

O Estado de S. Paulo/Nacional - Economia
domingo, 6 de dezembro de 2020
Banco Central - Perfil 1 - Banco Central

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Autor: AFFONSO CELSO PASTORE


Com o resultado do terceiro trimestre, sabemos que a
recuperação dentro de 2020 superou todas as
expectativas, reduzindo a queda do PIB a algo em torno
de 4,5%. As projeções de consenso da última semana
informam que em 2021 o PIB deverá crescer em torno
de 3,5%, mas não esclarecem que essa taxa é próxima
do carryover de 2020. Ou seja, há um crescimento de
3,5% entre 2020 e 2021, mas praticamente não há
crescimento dentro de 2021. Para amenizar as
preocupações, argumenta-se que a poupança dos ricos
acumulada durante o afastamento social compensará a
queda da demanda dos pobres, acarretada pelo fim da
ajuda emergencial. Tenho dificuldades enormes com
esse argumento. Com uma taxa de desemprego
podendo chegar no pico a 20%, é difícil apostar no
consumo dos mais pobres e, com a incerteza elevada, é
difícil que os ricos não se protejam, guardando boa
parte do que acumularam.


O fato é que a rápida recuperação inegavelmente
positiva - deixou uma herança fiscal que dificulta a
continuidade do crescimento em 2021. Devido ao risco


de insolvência do governo, o nível de incerteza da
economia atingiu um recorde, inibindo os investimentos
em capital fixo. Uma forma de aferir como a percepção
deste risco se transmite é olhando para os prêmios de
risco em ativos financeiros em mercados muito líquidos,
como os de juros e de câmbio.

Com muito mais habilidade do que eu, em artigo recente
Marcio Garcia demonstrou elegantemente o que se
passou. Ele definiu a inclinação da curva de juros como
a diferença entre as taxas de 10 e de um ano, e
superpôs esta série ao câmbio nominal, medido em
R$/US$. Iniciou sua série em junho 2019, quando o
mercado ainda acreditava que o teto de gastos seria
cumprido e o risco de insolvência era mais baixo, e a
estendeu por todo o ano de 2020. É notável como estas
duas séries caminham juntas. Nos dois casos, o prêmio
de risco dá um salto semelhante tão logo se configura a
percepção de que cresceu o risco de insolvência.

O aumento das taxas de juros em operações mais
longas tem importância porque eleva a dificuldade na
administração da dívida, cujo prazo médio de
vencimento deverá cair abruptamente, expondo-nos ao
risco da repressão financeira, piorando a curva de juros
e o comportamento do câmbio. Não há espaço neste
artigo para tratar deste problema, por isso me restrinjo
ao câmbio. A depreciação cambial, que desde janeiro
de 2020 acumula quase 30%, é a maior causa do
aumento da inflação nos últimos meses.

Não deveria ser assim. Afinal, a economia deprimida
tenderia a reduzir o repasse do câmbio aos preços. Mas
não é esse o caso dos preços de alimentos, como a
soja e derivados, carne e arroz, entre outros, que são
exportáveis. Seus produtores repassam a depreciação
cambial aos preços domésticos e, se a demanda cair,
exportam todo o excedente. Os reajuste dos preços
destes produtos nos armazéns e supermercados
produziram nos últimos 12 meses uma inflação de
quase 18% no item "alimentação no domicílio". Não
teria grande importância se a taxa de desemprego, que
até setembro já havia atingido 14,8%, caísse bastante
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