O Tempo (2020-12-07)

(Antfer) #1
¬ALEX BESSAS
¬A cada fim de ano, há mais de
uma década, a comunicadora e
terapeuta holística Nadia Sch-
midt, 28, cumpre sistematica-
mente o ritual de revisitar metas


  • ou manifestações, como ela pre-
    fere – de anos anteriores e estabe-
    lecer novos objetivos a serem per-
    corridos no próximo ciclo. Repeti-
    da tantas vezes, a prática comum
    a tantas outras pessoas foi ga-
    nhando moldes e sendo ampara-
    da por técnicas que garantiam o
    cumprimento, pelo menos par-
    cial, de seus projetos.
    Mas, mesmo levando o costu-
    me a sério, Nadia reconhece que
    em 2020 foi difícil não se frus-
    trar. “Principalmente no campo
    profissional, precisei deixar algu-
    mas questões em suspenso, colo-
    cá-las na gaveta para serem reto-
    madas em outro momento”, ob-
    serva, fazendo menção aos impac-
    tos da pandemia da Covid-19 na
    sociedade. Não que metas fossem
    sempre executadas por ela. Em
    outros anos já havia precisado
    adiar alguns projetos, seja por
    não fazerem mais sentido ou por
    conta de adversidades. Certo é
    que, desta vez, o número de dese-
    jos de futuro contingenciados tor-
    nou-se maior.
    E se foi difícil para Nadia, que
    já tem o hábito de se organizar pa-
    ra as tarefas que se propõe execu-
    tar ao longo do ano, um sem-nú-
    mero de entusiastas das resolu-
    ções de ano novo também pode
    ter experimentado essa sensação
    de frustração por ter ficado
    aquém daquilo que se pretendia
    para o ano que agora se encerra.


E, pelo que indicam estatísticas so-
bre o tema, a maioria das pessoas,
mesmo em períodos menos turbu-
lentos, tende a desistir de seus ob-
jetivos – e isso acontece rapida-
mente. O instituto de pesquisa Sta-
tistic Brain Research Institute
aponta que 27% dos norte-ameri-
canos desistem dessas tradicio-

nais promessas ainda em dezem-
bro. Para 50%, os projetos são en-
terrados em janeiro.

PRINCIPAIS OBJETIVOS. No Brasil não
há levantamentos abrangentes so-
bre o assunto, mas um olhar aten-
to para indicadores do Google
Trends – ferramenta da gigante de

buscas que mede o interesse dos
usuários por determinados temas
em um período recente – pode dar
pistas de um cenário parecido com
aquele desenhado pelos estudos
norte-americanos. Ocorre que,
nos últimos cinco anos, alguns
tópicos têm sido pesquisados com
mais frequência entre dezembro e

janeiro. Caso de “como guardar di-
nheiro”, “como viajar mais” e “co-
meçar dieta”, que parecem se tor-
nar uma preocupação maior justa-
mente nesta época. Uma das hipó-
teses é que, por não terem sido
cumpridos, esses objetivos voltem
a figurar nas listas de resoluções
de forma reincidente.
Há, evidentemente, aspectos
externos, que fogem do controle
do indivíduo, que podem frear a
execução dessas resoluções, mas
esses fatores não explicam, sozi-
nhos, os índices de desistência tão
altos e a eterna repetição de me-
tas. “Percebo que, em geral, rela-
cionamos muitos propósitos, o
que nos deixa dispersos. Alguns
são excessivamente ambiciosos,
algo que não vamos conquistar ra-
pidamente, o que pode desmoti-
var. Para piorar, são frequentes
nessas listas mudanças de compor-
tamento, que são transformações
que demandam tempo e esforço,
e por isso deveriam ser cumpridas
uma por vez”, avalia o psiquiatra
e mestre em neurociência Renato
Ferreira Araújo.
Para que os planos não fi-
quem ameaçados, a sugestão do
estudioso é o foco em apenas um
desejo, que, para ser alcançado,
possa ser dividido em outras pe-
quenas ações, realizáveis em cur-
to prazo. “O ideal é cumprir por
partes essa ambição maior. As-
sim vou me mantendo motiva-
do”, garante.

Significados


Falta de propósitos e


desorganização atrapalham


Metas de ano novo. Especialistas indicam apostar em um só objetivo e estabelecer etapas a curto prazo


7


A psicóloga e mentora em in-
teligência emocional Patrícia
Gomes acrescenta que não estabe-
lecer metas de forma objetiva é ou-
tro obstáculo, seguido pelas cren-
ças limitantes. “Se o sonho de al-
guém é crescer profissionalmente
e essa pessoa acredita que, para is-
so, terá que se dedicar menos à fa-

mília, ela pode se sabotar de for-
ma inconsciente no trabalho. O de-
safio, então, é identificar esse com-
portamento em nós – algo que só é
possível por meio de práticas de
autoconhecimento e de muita re-
flexão – e, então, fazer o exercício
de substituir esses pensamentos sa-
botadores por crenças fortalecedo-

ras. No caso desse exemplo, a pes-
soa poderia passar a pensar que o
seu sucesso despertaria o orgulho
de seus familiares em vez de men-
talizar que estaria se afastando de-
les”, opina.
Por outro lado, a falta
de um significado verda-
deiro é um elemento que leva à
desistência dessas promessas.
“Acho importante pensar se dese-
jamos mesmo aquilo que esta-
mos nos prontificando a conquis-
tar ou se é só algo que foi suges-
tionado. Podemos nos questio-
nar sobre o propósito, sobre por
que desejamos incluir isso ou
aquilo entre as nossas metas de

ano novo”, sugere Patrícia.
Por fim, a indisciplina também
costuma comprometer planos. “Te-
mos, atualmente, uma série de fer-
ramentas que podem nos ajudar
nessa organização. Os planners,
em que vamos organizar nosso dia
a dia, definindo horários para ca-
da coisa, são ótimos. Virtualmen-
te, há tecnologias como o Trello
(um sistema de gerenciamento de
projetos), em que posso colocar
prazos para execução de tarefas e
até dividir com outras pessoas a
responsabilidade”, indica a coach
de carreira e liderança.
Como é de praxe, Nadia Sch-
midt não tem feito projetos muito

audaciosos para o próximo ano,
em que sobram incertezas. “Não
sabemos como vai ser a rotina, se
retomaremos atividades presen-
ciais ou quando isso vai aconte-
cer. Eu tenho preferido fazer pla-
nos que não vão depender do su-
cesso da vacina e pensado até os
seis primeiros meses. Se as coisas
mudarem, refaço essas metas”, si-
tua. Esta, aliás, é justamente a su-
gestão do psiquiatra Renato Fer-
reira Araújo. “Temos que projetar
objetivos pensando dentro da rea-
lidade de como estamos vivendo o
dia de hoje. Se as coisas melhora-
rem, podemos rever essas propos-
tas”, reforça. (AB)

Que venha 2021!


Em debate


Saiba mais. As metas
pessoais para 2021 são o
assunto do programa
Interessa de hoje, às 14h,
na rádio Super 91,7 FM,
e nas plataformas
digitais de O TEMPO.

Sem planejamento ideal,
quase 80% das pessoas
desistem de promessas
antes de fevereiro chegar

ARQUIVO PESSOAL

Ritual. Há 11 anos,
a comunicadora
Nadia Schmidt tem o
hábito de estabelecer
metas para os
próximos 12 meses

O TEMPOBelo Horizonte| SEGUNDA-FEIRA, 7 DE DEZEMBRO DE 2020 | 17


INTERESSA


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