O Tempo (2020-12-07)

(Antfer) #1

E


stá em ato a tentativa de
acordo entre o Estado de
Minas Gerais e a Vale a títu-
lo de indenização pelo de-
sastre ocorrido em Brumadinho
em janeiro de 2019.
Discute-se ainda sobre valores
pecuniários. O Estado pediu R$
54 bilhões, e a Vale ofereceu R$
21 bilhões. Caso não se concretize
o acerto, existe a hipótese de dei-
xar a Justiça estabelecer o valor, e
ao Estado ainda cabem medidas
restritivas contra a Vale, contu-
maz em provocar desastres por
omissão, erros, falta de investi-
mentos em segurança.
Apesar da distância, aparente-
mente abismal, a finalização po-
derá dar-se por um valor próximo
do salomônico meio-termo, em
torno de R$ 35 bilhões. Para a Va-
le seria quase irrisório face ao es-
trago provocado e aos lucros que
gera anualmente.
O Estado provavelmente acei-
tará até um pouco menos, já que
tem urgência de atender a popula-
ção atingida e começar um exten-
so programa de obras de infraes-
trutura, destinado a impulsionar
diferentes setores, como saúde,
educação, mobilidade e infraes-
trutura. A Vale, por sua vez, tem a
temer uma sentença que a conde-
ne a pagar a integralidade dos va-
lores apresentados pelo Estado.
Embora não compreendido
pela população, existe um inte-
resse onipresente, de todos os
mineiros, pelo recebimento das
compensações da Vale, que se
destinarão à ampliação e moder-
nização do Estado.
Considerando-se o efeito tribu-

tário do pagamento, haverá uma
recuperação pela Vale de cerca de
R$ 14 bilhões sobre os R$ 35 bi-
lhões, ou um desembolso contábil
líquido de R$ 21 bilhões. Com a
forma de pagamento em três
anos, parece bem suportável, es-
pecialmente para uma empresa
que gera um ganho de caixa de
cerca de R$ 40 bilhões por trimes-
tre. A indenização representaria
quanto ganha em apenas um tri-
mestre dos próximos 12.
O impacto na economia de Mi-
nas, gerado pelos investimentos
de R$ 35 bilhões, tanto nas indeni-
zações quanto nas obras públicas,
provocará uma portentosa acele-
ração do desenvolvimento. Calcu-
lam-se uma geração de 250 mil
novos empregos e um aumento
de arrecadação de ICMS, de for-
ma direta e induzida, nos próxi-
mos três exercícios, de R$ 5 bi-
lhões anuais. Disso, R$ 3,5 bi-
lhões serão do erário estadual e
R$ 1,25 bilhão dos cofres dos mu-
nicípios mineiros. Apenas Belo
Horizonte, que participa da distri-
buição do montante municipal,
cerca de 12%, receberá mais R$
150 milhões anuais para usufruir.

Municípios como Contagem,
Uberlândia, Betim e Juiz de Fora
terão receitas adicionais de cerca
de R$ 50 milhões a cada ano.
Disso se apresenta um interes-
se do Estado, dos setores públicos
e privado em sua totalidade.
Além da injeção de novas fi-
nanças, é preciso considerar o
exaurimento das jazidas e das ati-
vidades minerárias em Minas. Já
passou da hora de estas serem ava-
liadas, para que não fiquem ape-
nas crateras lunares e passivos in-
calculáveis (como centenas de
barragens de rejeitos) para lem-
brar a era extrativista.
Precisa-se planejar uma diver-
sificação de atividades, reservar
capitais para tanto, que possam
garantir o futuro das próximas ge-
rações e reparar a falta de conside-
ração com as atuais.
As portentosas riquezas mine-
rais de Minas Gerais apenas em ín-
fima parte se destinaram durante
sua história a desenvolver a eco-
nomia local. Ao contrário, os Emi-
rados Árabes, que se sustentam
em atividades extrativistas, usa-
ram os ganhos gerados pelas suas
jazidas na estruturação e diversifi-
cação da economia. Transforma-
ram o deserto, enquanto aqui o de-
serto é que sobrará se não forem
adotadas medidas enérgicas e
substanciais.
Empresas como a Vale não são
levadas por lei a investir no Esta-
do, a implantar projetos estrutu-
rantes e compensatórios. Suas
ações humanitárias são “esforça-
das”, “insignificantes”, “omissas”,
“vergonhosamente irrisórias”; ve-
ja-se no caso de Mariana e da Fun-

dação Renova, “cinco anos em
vão para os municípios”, com a
certeza apenas dos subsídios de
seus curadores.
Os royalties da extração são ín-
fimos, e lhes falta um direciona-
mento. Piora o quadro a falta mo-
tivação com o “dever moral e so-
cial”. Emerge assim a necessidade
de adotar dispositivos legais e
obrigações ao reinvestimento dos
altos lucros gerados com venda
do minério.
As últimas décadas registra-
ram uma expansão vertiginosa de
atividades e dos lucros da minera-
ção, marcando Minas por dois de-
sastres entre os maiores do plane-
ta: Mariana e Brumadinho. Cente-
nas de mortes (289) e a aniquila-
ção de duas bacias hidrográficas.
Centenas de municípios perde-

ram a qualidade das águas que os
banham, foram destruídos a fau-
na, a flora e os atrativos naturais.
Os danos morais extrapolam
os próprios valores venais do
pretenso acordo em negociação
com o Estado.
Ademais, os acontecimentos
eram previsíveis e temerariamen-
te escondidos atrás da expansão
de lucratividade. Considerando-
se que, na extração de minério,
os técnicos do setor estimam gas-
tos médios de US$ 7 por tonela-
da, a Vale a comercializa por
mais de US$ 120.
Pela Constituição do Brasil, as
reservas minerais são de proprie-
dade do Estado, e isso significa
que é da sua população. Contudo,
o que se destina ao benefício pú-
blico em Minas é irrisório. Afron-
toso, desproporcionalmente em
desfavor do legítimo proprietá-
rio: a população do Estado, que,
apenas em Brumadinho, perdeu
270 vidas humanas e perdeu a in-
tegridade de duas bacias hidro-
gráficas por inteiro.
Minas, evidentemente, não po-
de se aviltar neste momento. Ca-
be ao Estado, além de cobrar de
imediato a compensação pecuniá-
ria das perdas, suspender as con-
cessões de lavra da Vale pelo cri-
minoso desrespeito às suas obriga-
ções legais. Em seguida, abrir
leilões bilionários dessas conces-
sões, que possuem o poder de sa-
near, quase por inteiro, as finan-
ças públicas de Minas Gerais.
Essa hipótese deve ser conside-
rada pelo governo, pela Assem-
bleia, pela população como uma
atitude redentora de Minas Gerais.

x


Em debate


[email protected] A.PARTE

A Mesa Diretora da Câmara Mu-
nicipal de Belo Horizonte apresen-
tou na última semana um projeto de
resolução que faz uma espécie de re-
forma no regimento interno da Ca-
sa com o objetivo de fazer o Legislati-
vo ser mais eficaz e objetivo. Na
prática, as mudanças invertem a or-
dem atual da reunião plenária e faz
com que os vereadores primeiro vo-
tem as propostas para que depois
usem o tempo para falarem sobre o
que acharem pertinente.
Em contato com o Aparte, a
presidente Nely Aquino (Pode-
mos) afirmou que desta maneira,
“os vereadores vão primeiro ao

que importa mais ao cidadão em
uma época de crise como estamos
vivendo”. “Assim, se vota e depois
se discute os assuntos gerais. A po-
pulação gosta disso”, entendeu.
No formato atual, após o início
da sessão, é lida a aprovada a ata
da reunião anterior. Em quase to-
das as reuniões, é pedida a dispen-
sa da leitura do documento, o que
não ocorre, por exemplo, em en-
contros com obstrução de pauta.
Essa também é uma medida que
deve sair do regimento pela pro-
posta apresentada. Pelo novo tex-
to, as atas serão publicas no prazo
de um dia útil após a reunião e se-

rão dadas como aprovadas se não
houver impugnação, que deve ser
apresentada por escrito até o iní-
cio da reunião seguinte. Deferida
a impugnação, a retificação deve
ser feita de imediato.
Superada a parte da ata, no mo-
delo atual, os vereadores têm três
minutos para falar sobre assuntos
relevantes e cada líder tem mais
cinco minutos pelo tempo de lide-
rança. Depois disso, os parlamen-
tares podem se inscrever ainda pa-
ra falarem da tribuna como orado-
res por 15 minutos improrrogá-
veis. Só depois a Casa entra na cha-
mada “ordem do dia”, com as vota-

ções e discussões de projetos.
“Isso tudo torna o processo
mais democrático, pois a ata terá
de ser apresentada antes da sessão
para que o parlamentar que tiver
alguma correção possa fazer com o
tempo devido. Quanto às votações,
discute-se primeiro a pauta do dia.
Depois cada parlamentar tem ga-
rantido seu direito de expressão e
representatividade”, explicou a pre-
sidente Nely Aquino à coluna.
Pela reforma proposta, a or-
dem do dia passa a ter duas horas
de duração logo após a abertura
dos trabalhos e o que foi chama-
do de “Grande expediente”, com

1h10, ocorre depois com espaço
para pronunciamentos. “Nunca
houve um momento em que todos
os parlamentares desejassem fa-
lar no mesmo dia. Os tempos es-
tão mantidos como são hoje e a
sessão pode ser prorrogada se for
o caso”, disse Nely.
Por se tratar de um projeto
de resolução que altera o regi-
mento interno, ele é votado em
turno único pelos parlamenta-
res e, se aprovado, as mudanças
já passam a vigorar na data da
publicação. A ideia é aprovar o
texto ainda na legislatura atual.
(Lucas Henrique Gomes)

VITTORIO MEDIOLI


[email protected]

Os acordos possíveis com a Vale


Minas não pode se
aviltar neste
momento. Cabe ao
Estado, além de
cobrar de imediato a
compensação das
perdas, suspender as
concessões de lavra
da Vale pelo
criminoso
desrespeito às suas
obrigações legais.
Em seguida, abrir
leilões bilionários
dessas concessões.

x


Mesa Diretora da Câmara de BH propõe reforma no regimento


Empresas como a
Vale não são levadas
por lei a investir no
Estado, a diversificar
atividades ou adotar
projetos
estruturantes e
compensatórios

2 | O TEMPOBELO HORIZONTE|SEGUNDA-FEIRA, 7 DE DEZEMBRO DE 2020


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