Viaje Mais - Edição 171 (2015-08)

(Antfer) #1

122


NA BAGAGEM


As histórias vividas pela redação


VIAJEMAIS

N


uma viagem, todo
dia é domingo.
Não um domin -
guinho qualquer, desses de
acordar tarde, ficar no sofá
xeretando a vida dos outros
pelas redes sociais, clicando
um “curtir” cheio de inveja
de quem se diverte.
Dia de embarcar é sem -
pre sábado. Não importa se
é segunda-feira. É sábado
porque, em vez de trabalhar,
é preciso correr com as ma -
las, ter medo de perder o
horário do avião, não comer
direito devido ao frio na bar -
riga, todo o tempo em con -
centração máxima.
Mas é no avião que se dá
a transformação. O tempo
para. Quando a gente está na
barriga do bicho, vendo o
mundo lá do alto, o relógio
enlouquece. Diz que é uma
hora e é outra. As 11 horas
de voo de São Paulo a Paris
se convertem numas 200, 300
horas. O filme de duas horas
passa em 15 minutos, e o livro
que devia embalar a via gem
inteira, em cinco minutos já
enjoou. E esse sono que não
vem? É que o calendário está
se ajeitan do para que todos
os dias sejam domingo.
É claro que basta pisar no
chão de Paris para ter certeza
de que é domingo. Mesmo
que se diga que é terça, nin -
guém acredi ta: não exis tem

os meninos na praça. O velho
tocou acordeão e fez a trilha
sonora do casal de namora -
dos que tomava vinho branco
e ria um para o outro.
Quando vi, outro ob ser -
vador de pessoas olhava para
mim, câmera na mão, pronto
para um clique. Ra pidamente
levantei minha máquina e
fotografei a ele me fotogra -
fando. Rimos um para o ou -
tro e cada um foi para um la -
do em frente à catedral.
Foi um domingo em Es -
tras burgo. Como foram do -
mingo todas as quintas-feiras,
ou sextas, das viagens que fiz
na minha vida.

terças-feiras na Torre Eif fel.
Nem quartas no tourde barco
pelo Sena. Só domin gos.
Por coincidência, e não
mais do que por uma coin -
cidên cia, certo dia cheguei em
Estras burgo num domingo,
desses de folhinha. O cenário
foi se compondo: era prima -
ve ra e a cidade francesa, às
margens do Rio Reno, estava
em flor, e o dia, pra lá de enso -
larado; todas as lojas, museus
e restaurantes esta vam aber -
tos; e era carnaval na cidade.
O domingo estava garan -
tido. Deve ser mania de
quem escreve, mas uma das
coisas de que mais gosto é
olhar as pessoas. Obser var
as roupas que usam, o que
fazem e leem, como andam.
Saí por Estras burgo, sozinho,
no meu agra dá vel esporte de
observar pessoas.
O deficiente físico fazia
bolas de sabão. Não eram
bolinhas, eram verdadeiras
esculturas de mil cores que
rebrilhavam ao sol, e por vezes
criavam túneis. A menininha
loira, fantasiada de princesa,
se esmerava nas bolas e ria
para o rapaz na cadeira de
rodas. Domingo. O homem
vestido de D’Artagnan, com
a cruz no peito, chapéu com
plumas e botas, saiu do carro
fazendo mesuras. Talvez para
o me lhor dia da semana.
A adolescente de vestido

Porque é domingo


PORROBERTO ARAÚJO

ROBERTO

ARAÚJO

azul bem curtinho, cabelos
ao vento, rasteirinha nos pés,
subiu os quase infinitos de -
graus da Catedral de Estras -
burgo, tirou fotos lá do alto
e ficou pensativa em frente à
lápide do capitão de artilha -
ria Kamensky, morto em
1750 a serviço de sua ma -
jestade. Às vezes é bom me -
ditar aos domingos.
A mascarada de vestido
preto e cabelo azul fez uma
pose bem linda quando viu
que eu a observava. Tirei uma
foto. Ela sorriu e sumiu na
multidão domingueira.
Dois rapazes vestidos de
palhaço jogavam bola com
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