Bill Ho/singer-Robinson/F/ickr
''A corrupção é uma maneira eficiente de um líder se manter no poder"
Governar para um grupo restrito pode dar certo?
Essa tática pode funcionar, sim, mas só por um certo tempo. Nas democracias, à
medida que um chefe de gover no vai tomando decisões pensando em agradar a
um grupo pequeno, ele vai prej udicando outras pessoas. Para cada nova decisão
específica, o líder cria uma pequena coalizão de oposição, o que gradualmente
vai erodindo o poder. Então é muito complicado governar para um grupo
limitado por muito tempo.
Na Venezuela, Nicolás Maduro consegue se manter no poder subornando um
número reduzido de generais. Algo assim poderia acontecer no Brasil?
O Brasil é muito diferente da Venezuela. Quando Hugo Chávez estava
concorrendo pela pri meira vez à presidência, em 1998, depois de tentar um
golpe de estado, eu disse imediatamente que, se ele chegasse ao poder, o país se
tornaria uma autocracia. Chávez sempre demonstrou que governaria com uma
coalizão pequena de m ilitares e que usaria a renda do petróleo para comprar
f idelidade. O Brasil não chegou a esse nível. Não é algo impossível de acontecer,
mas o risco é relativamente baixo. O Brasil tem t ido governos democráticos se
altern ando no poder há 35 anos. Em dois momentos, os eleitores conseguiram,
por meio de seus representantes no Congresso, destituir presidentes. Isso não é
algo que poderia acontecer na Venezuela de Hugo Chávez ou de Nicolás Maduro.
Não há mais nada de democracia na Venezuela. O governo controla quem pode
se candidatar na eleição. Não há li berdade de expressão. Funcionários públicos e
m ilitares que apoiam a oposição são expulsos. Muitos são presos e golpeados.
São coisas que não acontecem no Brasil. Quando a Crusoé foi censurada por
crit icar j uízes, o presidente falou da importância da li berdade de imprensa. E
Bolsonaro corre o risco de perder as próximas eleições. Essas coisas não
aconteceriam na Venezuela.
Bolsonaro desagradou a setores que pediam o combate à corrupção e uma
agenda liberal. Ao mesmo tempo, ele melhorou sua aprovação distribuindo
auxílio emergencial para os mais pobres durante a pandemia. Essa seria uma
tática eficiente?
Como populista, Bolsonaro direcionou recursos públicos para as pessoas mais
pobres. E le obviamente queria deixá-las mais fe lizes para assegurar o apoio
dessas camadas. Acontece que a pandemia também deixou essas pessoas mais
vulneráveis à doença. Se o medo de ser contaminado aumentar, o presidente
perderá apoio. O modelo correto em uma democracia seria o presidente gastar
com bens públicos que possam beneficiar toda a sociedade. Se o presidente
nega que a pandemia é um problema sério e não prepara a resposta sanitária,
então ele pode perder apoio mesmo que entregue dinheiro para as famílias. O
auxíli o emergencial não será capaz de compensar polít icas desastrosas na saúde,
que passará a ser a questão dominante. Entendo que o mau desempenho de
candidatos apoiados pelo presidente nas últimas eleições municipais possa ser
um sinal dessa mudança de prioridades na população. Essa eleição mandou um
sinal preocupante para Bolsonaro, assim como a eleição legislativa de 2018 nos
Estados Unidos foi um indício de problemas para Trump. As pessoas sempre
querem boas polít icas públicas. Quando as prioridades mudam, como aconteceu
nesta pandemia, o governante precisa entender o que aconteceu e mudar com
elas. Se não f izer nada, provavelmente será apeado do poder.
Com a Operação Lava jato, em 2014, o Brasil viveu uma onda contra a corrupção.
Essa conquista da sociedade brasileira poderá ser perdida?
A corrupção é uma maneira eficiente de um líder se manter no poder. Ela
acontece quando um governante transfere recursos para um grupo pequeno
com o objetivo de ganhar lealdade. Para um país como o Brasil, a facili dade de
obter r ecursos substanciais com o petróleo é um convite à cor rupção. Em uma
democracia como a brasileira, contudo, um presidente precisa do apoio de um
número muito maior de pessoas para conseguir se manter no poder. Não basta
subornar alguns m ilhares de empresários e políticos. Seria preciso comprar
m ilhões de pessoas. Nesse caso, a corrupção se torna ineficiente. Os desvios,
afinal, diminuem não porque os líderes passam a te r princípios, e sim porque é
inviável comprar todo mundo.