revista séries rev FINAL

(Natália Paulino) #1
A DESCONSTRUÇÃO
NARRATIVA DAS SÉRIES
E A SUA IMPORTÂNCIA
ATUAL

Por João Miguel Fernandes


Existe um claro momen-
to pré e pós Lost nas séries de
televisão norte-americanas. Se
até essa data havia sempre uma
óbvia fronteira entre produção
para TV e produção para cine-
ma, o mesmo não se pode dizer
dos anos que se seguiram. Lost
veio mostrar ao mundo o poder
que uma série pode ter em tempo
real, ou seja, enquanto está a sair.
Todo o mistério criado em volta
da fantástica narrativa criada por
J. J. Abrams, Jeffrey Lieber e Da-
mon Lindelof veio redefinir um
género que existia quase desde o
tempo do cinema e que na maior
parte da sua existência sempre
procurou a distinção do mesmo.
A diferença de existi-
rem agora inúmeros protago-
nistas com caminhos distintos
também acrescenta uma grande
diferença ao argumento. Deixa
quase de existir um único pro-
tagonista e começamos a ter vá-
rios, onde os episódios se divi-
dem na visão de cada um deles,
dividindo também o argumen-
to e o objectivo de cada série.
Mesmo no meio de uma grave
greve de guionistas, Lost serviu
como a verdadeira líder revo-
lucionária e não tardou até que
a produção das séries atingis-
se, ou até mesmo ultrapassas-
se, a produção de certos filmes.
Breaking Bad começa em
2008, praticamente no final de
Lost e apesar de grande parte do
sucesso da primeira temporada se
dever ao génio criativo de Vince
Gilligan, o aumento da produção
fez também parte do trabalho.


Breaking Bad marca a definiti-
va viragem do formato clássico
de série de televisão para filme.
Existe agora uma continuidade
narrativa muito forte, fazendo
com que não só cada tempora-
da, mas também quase toda a
série se torne num gigantesco
filme. Até esta data grande parte
das séries focava-se em pequenos
momentos, com episódios sem
grande ligação narrativa, exceto
na sua linha principal (exceção
feita a Sopranos e Twin Peaks).
É esta desconstrução narrativa,
ou seja, uma inversão de argu-
mento entre as séries e o cinema
que começa a atrair investidores,
realizadores, autores ou atores.
De repente as séries dei-
xam de ser uma rampa de salto
para atores chegarem ao cinema,
mas o inverso. A série Game of
Thrones vai, em 2010, buscar ato-
res consagrados como Sean Bean,
Lena Headey, Iain Glen ou Char-
les Dance, misturando-os com
algum sangue novo. A grande di-
ferença? O esquema do argumen-
to e a produção. Estamos a falar
daquela que é possivelmente a
maior série em termos de produ-
ção da história, mas o seu sucesso
não se deve apenas a este fator. O
facto de pela primeira vez se que-
brar o conceito genérico de séries
em que quase nenhum persona-
gem principal podia morrer, pelo
menos no inicio da história, acaba

por atrair muitas pessoas que até à
data só podiam ver algo do género
no cinema. A imprevisibilidade e
riqueza argumentativa, aliadas a
um aumento de qualidade de ima-
gem e produção tornam as séries
mais cativantes e mais rentáveis.
A partir daqui tudo muda
e True Detective segue esta dire-
tiva. Uma única história dividida
em vários episódios, com dois
personagens centrais com carac-
terísticas sociais distintas e um
único realizador e argumentista.
E se até à data houvesse alguma
dúvida a partir daqui deixam de
existir: as séries são o novo ci-
nema. Um único realizador, um
único argumentista, atores de ci-
nema com anos de carreira, Mat-
thew McConaughey e Woody
Harrelson, e um sucesso tremen-

ESSENCIAL

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