revista séries rev FINAL

(Natália Paulino) #1
ESSENCIAL

do (isto na primeira temporada).
Fargo, House of Cards e
Westworld repetiram a nova fór-
mula de sucesso, adaptada às suas
realidades distintas, e tiveram su-
cesso. As séries de televisão deixa-
ram de ser sobre drama, comédia
e ação e passaram a ser tudo aqui-
lo que o cinema é, um conjunto
de definições narrativas cruza-
das que exploram a profundida-
de emocional de quase todos os
seus personagens. Até mesmo em
séries como Atlanta, de Donald
Glover, conseguimos perceber
que se tivesse sido criada antes
desta mesma desconstrução nar-
rativa estaríamos talvez perante
uma espécie de Prince of Bel-Air.
Ao contrário, Atlanta acrescenta
um lado intelectual mais real e
mais socialmente adaptado, fora
do conceito cartoonesco dos anos
90, desafiando constantemente o
espectador. É também este lado de
consciência social, oferecido aos
criadores através das redes sociais,
que permite que várias séries, as-
sim como Atlanta, explorem exa-
tamente o que o público preten-
de, de uma forma quase de autor.
Atualmente é difícil dis-


tinguir por onde andam os ato-
res. Em séries, em cinema? Em
tudo! A produção equiparou-se
à dos blockbusters americanos e
a qualidade narrativa disparou.
Dois casos bastante concretos são
os exemplos de The Young Pope
e The Expanse. O primeiro pegou
num realizador italiano conceitu-
ado e deu-lhe total liberdade para
brincar à desconstrução de narra-
tivas, ou seja, trocar a lógica dos
processos, dos estereótipos, dos
personagens, e dar-lhes alma e
vida próprias, algo que Paolo Sor-
rentino conseguiu com excelência
(um Papa bastante novo, mas ao
mesmo tempo mais retrógrado
do que a própria instituição). O
outro teima em criar uma linha
narrativa idêntica à dos anos 90,
com personagens seguros, este-
reotipados e um conceito algo
repetido, apesar da produção
de maior qualidade. Apesar de
ter públicos completamente dis-
tintos, não sendo justo sequer
comparar as duas, The Expanse
enfrenta sérios problemas para
continuar. Primeiro porque a dis-
tribuição hoje em dia é um dos fa-
tores mais importantes para o su-

cesso de uma série (e o SyFy não
tem nenhuma grande série de
sucesso), segundo porque as pes-
soas estão cansadas de ver mais
do mesmo, gostam de ser desa-
fiadas e é aí que The Young Pope
entra, assim como Westworld.
Apesar de me ter cen-
trado num pequeno nicho de
séries, os exemplos são mais do
que muitos e afetam também a
comédia onde séries como Mo-
dern Family e Orange is The New
Black, um género que raramen-
te sofreu alterações, desafiam
todas as regras e vão mais além.
É impossível escrever este tex-
to e não referir a brilhante pri-
meira temporada de Mr. Robot,
as duas últimas de Black Sails
(que homenagem a Heart of
Darkness de Joseph Conrad),
Sons of Anarchy e tantas outras.
Esta desconstrução nar-
rativa da antiga fórmula de sé-
ries de televisão veio dar força
a distribuidoras e produtoras
como Netflix, aliando um au-
mento financeiro e qualitativo
na produção das mesmas. To-
dos ganham, principalmen-
te nós, os meros espectadores.
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