Revista Literária Prosa & Versos

(Anita Santana) #1

Imagine um estado de confinamento
em que as pessoas não pudessem acessar
nada que não se encontrasse nos limites
de suas habitações. Uma vez do lado de
dentro (quando esse não é permanente-
mente a rua ou qualquer lado de fora), o
que seria agradável fazer, além das tare-
fas domésticas (ou de sobrevivência sob
o céu/teto)? Tal realidade hipotética se
nos apresentou, de modo verossímil/real,
desde o terceiro mês de 2020.


Para não sucumbir completamente
ao marasmo da vida privada, ao convívio
forçado com o próprio eu (muitas vezes
enlouquecedor, afirmam alguns!), as pes-


Andréa do Nascimento Mascarenhas Silva*


ARTE ATÉ NAS NUVENS, AOS BORBOTÕES

(as pessoas) “afirmam que o próximo tem direito, sem dúvida, a certos
bens fundamentais, como casa, comida, instrução, saúde – coisas que
ninguém bem formado admite hoje em dia sejam privilégio de minorias,
como são no Brasil. Mas será que pensam que o seu semelhante pobre
teria direito a ler Dostoiévski ou ouvir os quartetos de Beethoven? Apesar
das boas intenções no outro setor, talvez isto não lhes passe pela cabe-
ça. E não por mal, mas somente porque quando arrolam os seus direitos
não estendem todos eles ao semelhante. Ora, o esforço para incluir o
semelhante no mesmo elenco de bens que reivindicamos está na base da
reflexão sobre os direitos humanos” (Antonio Candido, p. 174).

Pausa


soas passaram a revalorizar práticas ana-
lógicas, presenciais, desconectadas do
mundo virtual. Deram-se conta da arte e
de sua importância e essencialidade em
suas vidas, justamente porque foram in-
terrompidas outras formas de contado,
convivência e experimentação. Passaram
a perceber o setor das artes como um
todo, as pessoas que nele trabalhavam
para que diversas expressões artísticas
chegassem até nós. Antes, essa percep-
ção era para bem poucos.
De repente, conhecemos um cená-
rio artístico como que incompleto, mas
que se esforça para apresentar seus con-
teúdos e espetáculos. Faltam os bastido-
res, os palcos, a ação dos colaboradores,
as etapas prévias e coletivas que também
constituem uma obra, seja ela realizada
em qualquer linguagem criativa. Quase
comum se tornou o movimento solitário
de artistas de todos os ramos da arte,
desgarrados, sozinhos em seus atos cria-
cionais, tendo que se adaptar aos novos
modos de criação/produção a partir de
suas próprias casas.
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