Revista Literária Prosa & Versos

(Anita Santana) #1

Do lado de cá, nós leitores, especta-
dores, professores, comunicadores, pro-
dutores culturais ou mesmo fãs daqueles
que criam artes em geral, estamos apren-
dendo a notar e a sentir na pele, na alma,
como a arte nos faz falta e como temos
necessidade de estar envolvidos em qual-
quer processo que se associe ao fazer ar-
tístico: ler, escutar música, contemplar
obras de arte (pinturas, desenhos, ar-
tes manuais, arte do corpo/performance
etc.), assistir filmes e vídeos, visitar insta-
lações, entre outros.


Sentimos saudade das bibliotecas
públicas, dos centros de cultura, dos tea-
tros e núcleos de convivência, das pra-
ças. Sabemos, como nunca, reconhecer o
valor de uma estante de livros, por me-
nor que seja e até
mesmo quando
virtual; da caixa
de costura; das
coleções de filmes,
discos, figurinhas,
selos; dos jogos
de botão, de ta-
buleiro, de cartas,
quebra-cabeças.
Enfim, tomamos
forte consciência
de que diversão,
brincadeira, lazer,
ócio são suma-
mente importantes, bem como as horas
de sono, descanso ou trabalho.


Nesses meses de reclusão as artes
têm sido nossas companheiras mais fiéis
e agradáveis, porque sucumbir não é pa-
lavra que se alinha com pessoas-fênix,
pessoas-resistência, pessoas-arte. Finca-
-se em nós a certeza de que arte é tam-
bém elixir, remédio, unguento para curar
as dores da alma, os medos, as fobias,
os tiques que a vida racional nos inocula
diuturnamente.


O inventário de constatações rascu-
nhado até aqui não é mais novidade. En-
tre as artes que tem nos alentado, escolho
aquela que toma a palavra por parceira
e a tira para dançar – a LITERATURA –,


falada ou escrita, mas ou menos elabora-
da, aquela que passeia por outras artes,
mesmo quando aceita o papel de coadju-
vante: no teatro, no humor, na cine/tele/
vídeo dramaturgia, na pintura, no balé,
na ópera, na música (a exemplo de algu-
mas canções de Arnaldo Antunes e dos
Tribalistas) etc., a mesma que agora nos
chega em videoarte, compartilhadas nas
redes sociais ou projetada nas fachadas
de prédios e casas.
Nos corredores/labirintos de nossos
habitats buscamos algo diferente do que
rotinas e tarefas automáticas nos propor-
cionam. Lavamos a louça e pensamos na
trama do romance que deixamos, à espe-
ra, entre as obrigações. Varremos o chão
sem desgrudar a atenção de mais um
capítulo da tele-
novela. Tomamos
banho e cantamos
a canção que es-
cutamos no rádio
e que se colou à
nossa mente. Ar-
rumamos a cama
e dançamos o úl-
timo hit do verão.
Cuidamos do pet
e gargalhamos ao
lembrar do dese-
nho animado dos
caninos e felinos.
Enquanto cortamos o alimento, podemos
escutar nossa vó a nos ensinar antigas
histórias e receitas de família.
Poderia nunca terminar a lista de
episódios diários que fazem da nossa vida
uma verdadeira saga. Ao mesmo tempo,
urge sentir (mais do que imaginar) a vida
de quem está em situação de confinamen-
to e realmente não tem acesso ao mínimo,
à dignidade que os possa tirar da misé-
ria material e espiritual nunca escolhida,
as tantas gentes que vivem à margem de
tudo, os sem-nada, os despossuídos e
excluídos de qualquer possibilidade. Se
para nós as artes estão passando por lon-
ge, para esses as artes não existem, pois
sequer um dia chegaram. Eis um mote
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