14 CARLOS, A FACE OCULTA DE MARIGHELLA
consumado com a denominação de inimigo público número um da
ditadura militar, a ele atribuído. No segundo objetivo, procuramos
reter das atitudes da trajetória de vida um elemento que se coadune
com as opções políticas. Com isso não se quer opor o indivíduo ao
contexto, mas sim revelar a relação existente entre ambos, que é uma
característica central das biografias.
As hipóteses propostas se dividem em duas:
- a análise do cotidiano do cidadão comum Carlos amplia a
compreensão de sua trajetória política; - a impetuosidade é um elemento imprescindível na atuação
política de Marighella.
Segundo Heller, “a vida cotidiana é a vida do homem inteiro”.^2
Ou seja, ao atuar na vida cotidiana, o homem expõe toda a sua
individualidade, sua personalidade. Age colocando em funciona-
mento “todos os seus sentidos, todas as suas capacidades intelectuais,
suas habilidades manipulativas, seus sentimentos, paixões, ideias e
ideologias.”^3 Justamente por agir explorando suas capacidades, o ho-
mem não as realiza com toda intensidade. Os grupos sociais – como
exemplo, a família e a escola – têm função inicial de transmitir ao
indivíduo as normas da cotidianidade. À medida que “o indivíduo
é capaz de orientar-se em situações que já não possuem a dimensão
do grupo humano comunitário, de mover-se na sociedade em geral
e, além disso, de mover por sua vez esse mesmo ambiente”,^4 ele já
reúne condições para ingressar, por inteiro, na cotidianidade. A vida
cotidiana de Carlos, e não só a vida pública de Marighella, pode
fornecer elementos importantes que situem melhor o personagem.
Não obstante, para este estudo biográfico, a impetuosidade é uma
capacidade presente no cotidiano de Carlos Marighella e relacionada
à sua trajetória política. Não se quer com isso retirar o contexto das
(^2) HELLER, Agnes. O Quotidiano e a História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972.
(^3) Idem. Op. cit., p. 17.
(^4) Idem. Op. cit., p. 19.