marighella

(Ornilo Alves da Costa Jr) #1
192 CARLOS, A FACE OCULTA DE MARIGHELLA

“Porque eu vou viajar”.
Nem perguntei para onde, porque a clandestinidade era assim,
eu não perguntava para onde ele iria. Perguntei: – “Quanto tempo
você tem para treinar”?
Ele disse: – “Tenho um mês”.
Aí eu disse a ele: – “Mas em um mês não dá (risos). Como treinar
em um mês para fazer uma viagem mesmo que fosse para qualquer
país que falasse o inglês. Pois bem, eu disse a partir de hoje, de agora,
não se fala uma palavra em português aqui em casa, entre ele e mim,
nada, água, leite, pão, livro, o que fosse. Tinha que ser em inglês.
Mas acontece que a gente não ficava o dia inteiro em casa, se ficasse o
mês inteiro só fazendo isso, mas não era, era com todas as atividades,
quando ele chegava em casa, roupa, tudo. E aí fomos treinando, mas
ele tinha uma dificuldade enorme para dizer o R.


Edson – A pronúncia?
Clara – A pronúncia, era muito difícil. Aí eu dizia para ele: Hat,
chapéu. Não conseguia dizer o H, ele puxava pelo L. Rato, rat, ele
dizia: – “Lat”. Eu dizia não diga lat, pois é outra coisa. Mas não tinha
jeito. Ele foi embora, eu não sabia para onde. Só soube um ano depois.
Na China ele fez todo o trabalho que tinha que fazer, pegou pneumo-
nia, eu só soube tudo isso quando ele voltou. Quando ele voltou eu
estava presa, aí a gente se encontrou depois. Mas enfim, quando ele
voltou, quando a gente se encontrou, aí eu disse: – “Vem cá, posso
saber onde você andou”? Eu estava aflitíssima, mas não podia saber
onde ele estava, porque a clandestinidade não permitia. Eu também
acho que era muito disciplinada demais, que eu devia ter pressionado
para saber, mas eu achava que aquilo era segredo. Então, quando ele
chegou eu perguntei: – “Onde você andou”? Ele contou: – Fui para
China, União Soviética e tal, inclusive terminei meu tratamento lá.
E voltou. Então eu perguntei: – “Na China, como é que você fez
na China, como se virou com o inglês”? Ele disse: – “Ah! Foi ótimo.

Free download pdf