marighella

(Ornilo Alves da Costa Jr) #1
EDSON TEIXEIRA DA SILVA JUNIOR 253

é que ele encontrasse tempo para ter atenção com a família, com o
filho, com os amigos. Era uma pessoa que cultivava muito isso. Ele
me via muito, me via sempre. Agora o que eu disse naquele depoi-
mento – acho que é isso que chamou sua atenção – é que ele estava
sendo caçado por toda a polícia em maio de 1964, mesmo assim ele
foi algumas vezes no colégio me visitar.


Edson – Qual era o teor de conversa que ele tinha com você?
Carlos – Ele ia me ver. Quando meu pai foi preso em 1964,
isso talvez seja interessante para lhe situar, Clara falou ontem da
vida comedida, meu pai era uma pessoa sem luxo, sem ostentação,
viveu num apartamento de quarto e sala, grande, é bem verdade,
mas a casa de um dos maiores dirigentes do Partido Comunista era
um apartamento do tamanho desse primeiro andar aqui. Tinha uma
cozinha grande, tinha um quarto, eu dormia na sala, tinha um sofá-
cama, que virava sofá durante o dia e cama durante a noite. Mas
não foi uma vida de privações, de maneira nenhuma, eu estudava
em boas escolas, me alimentava bem, tínhamos telefone, televisão,
meu pai tinha um gravador, que era uma coisa rara naquela época,
um eletrodoméstico que não era acessível à maioria da população,
aparentemente não passava nenhum tipo de privação. Na minha
escola, eu me lembro, meu pai pagou a escola o ano todo, ele não
pagava por mês, ele me matriculava e pagava o ano todo da escola,
quando meu pai foi preso em 1964 todo mundo fugiu, eu fiquei
numa escola sozinho. A escola era um internato, saía até para casa,
eu iria para onde? As minhas tias moravam distantes, eu estudava
na Tijuca, minha tia mais disponível morava com minha avó na Ilha
do Governador, e eu fiquei perdido, não tinha uma roupa, a polícia
chegou lá em casa e levou todas as minhas roupas, coisas minhas
também, coisas de meu pai, de Clara.


Edson – Isso em 1964?
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