marighella

(Ornilo Alves da Costa Jr) #1
92 CARLOS, A FACE OCULTA DE MARIGHELLA

filhos. Inclusive insistiu para que levasse uma boneca para a menina.
Entretanto, o gesto foi extensivo a todos. Na verdade, Marighella fez
o mesmo com os demais militantes, incluindo até os que estavam de-
senvolvendo tarefas fora de São Paulo. Mandou que se entregassem os
presentes para os filhos desses militantes.^131 Pelas práticas costumeiras,
essas atitudes poderiam ser consideradas impróprias aos dirigentes do
severo período estalinista do Partido.
Clara Charf descreve como Marighella se “acostumava” à vida
clandestina. Ele era obrigado a se esconder, não podia ficar circulando
normalmente, só em horários estratégicos. Era conhecido e temido
por policiais, que sobre ele criavam vários mitos com base na resis-
tência a que demonstrara nas prisões. Num desses refúgios forçados,
Marighella ficou na casa de um casal de operários. O casal tinha filhos
e Marighella atenuava a clandestinidade procurando descontrair-se
com as crianças enquanto os pais estavam fora. Marighella cozinhava,
caracterizava-se de palhaço para fazer brincadeiras, pegava as tampas
de panela tornando-as mais um instrumento da algazarra e, para
complementar, mantinha a casa toda arrumada com o objetivo de não
sobrecarregar os pais, sobretudo a dona da casa quando retornasse do
trabalho,^132 enquanto isso, a polícia o procurava sempre alardeando
a auréola de homem violento. Clara cita esse exemplo para reafirmar
que “o gesto, a atitude, a solidariedade, o interesse pelos problemas
das pessoas que estavam na luta é uma característica muito importante
do comportamento de Marighella”.^133 Ana Montenegro amplia essa
aproximação com os problemas das pessoas como uma maneira de
oferecer as mínimas condições familiares para o militante desempe-
nhar suas funções. Ela mesma foi interpelada por Marighella a respeito
da criação de seus filhos e da sua inserção na militância. Não daria
para conciliar as duas coisas, pelo menos em determinadas situações.


(^131) Idem.
(^132) Cf. depoimento de Clara Charf.
(^133) Idem.

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