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(Antfer) #1

O Capitólio e a turba


Banco Central do Brasil

Folha de S. Paulo/Nacional - Opinião
segunda-feira, 11 de janeiro de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: Marcus André Melo


A invasão do Capitólio dos EUA por extremistas
instigados por Donald Trump deflagrou debates intensos
entre analistas sobre suas causas e implicações sobre a
democracia nos EUA. Dois cientistas políticos têm
recebido grande atenção por terem se não previsto pelo
menos antecipado os contornos gerais dos
acontecimentos.


O primeiro é CasMudde (Universidade da Geórgia), que
há quase três décadas estuda a direita radical. Em sua
coluna no jornal The Guardian, Mudde argumenta que a
invasão reflete a ascensão da extrema direita radical. E
cita episódios semelhantes que ocorreram na Alemanha
e Holanda.


A direita radical tem sido exitosa porque, embora
represente fração pequena da sociedade, explora uma
suposta "white victimhood" (vitimização branca), com a
complacência da direita não radical, com quem
comunga uma visão do mundo à direita, e de setores
liberais e da mídia, que não os denunciam; e acabam
endossando a ideia de que esse grupo pequeno é "o


povo" ou grupos que são deixados para trás e padecem
de "ansiedade econômica". Esses grupos temem
tornarem-se vítimas dos métodos violentos da turba, o
que acaba os levando anão lhes fazer oposição.

Tudo isso faz sentido, mas a questão fundamental não é
respondida: por que a direita tradicional teme a turba e
passou a agir desse modo? A conclusão de que
"chegamos até aqui acima de tudo devido a um longo
processo de covardia, falhas e oportunismo míope da
direita tradicional" não é um argumento para uma
questão complexa, mas uma acusação.

O segundo é Steven Levitsky (Universidade Harvard),
que alertou em "Quando as Democracias Morrem", co-
autorado com D. Ziblatt. para as possíveis
consequências do processo de erosão reiterada de
normas democráticas, da qual Trump era o maior
protagonista. Ele interpretou o episódio como "uma
tentativa de autogolpe". E qualificava: "um autogolpe
fracassado, mas é uma insurreição do poder para tentar
subverter os resultados da eleição e permanecer no
poder ilegalmente".

Como conciliar essa conclusão com a afirmação de que
"uma característica de Trump é que ele não antecipa as
consequências do que diz e faz. Então eu não acho que
ele previu o que acabou acontecendo hoje no Capitólio,
embora ele o tenha instigado". Como podería ser um
autogolpe se o protagonista do golpe não antecipava a
interrupção violenta do processo de validação do
resultado das eleições? Se não esperava a invasão,
tratava-se apenas de uma manifestação colérica nas
escadarias no Capitólio de apoio aos congressistas
rebeldes e não um autogolpe?

O incitamento ilegal e irresponsável de Trump é
consistente, porém, com a construção de uma narrativa
de saída pós-derrota, não com autogolpes.

Assuntos e Palavras-Chave: Cenário Político-
Econômico - Colunistas
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