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(Antfer) #1

ANTÔNIO GOIS - Como substituir a prova do Enem?


Banco Central do Brasil

O Globo/Nacional - Sociedade
segunda-feira, 11 de janeiro de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: ANTÔNIO GOIS


A ideia de que um teste no formato do Enem seja a
forma mais justa e eficiente de selecionar os melhores
alunos para o ensino superior tem sido cada vez mais
contestada em estudos recentes. Exames dessa
natureza, porém, foram criados justamente com o
propósito de dar mais oportunidades a estudantes que
não faziam parte de uma elite econômica na disputa por
uma vaga nas universidades de maior prestígio.


Num dos capítulos do livro "A tirania do mérito", o
filósofo Michael Sandel (entrevistado na edição de
ontem) relembra que o S AT, teste americano que
serviu de referência para o Enem, nasceu na década de
1930 a partir da demanda de um reitor de Harvard.
Incomodado com o fato de apenas filhos da aristocracia
americana - não necessariamente os mais bem
preparados academicamente - terem acesso à
universidade, James Bryant Conant (1893-1978)
solicitou aos administradores da instituição que
propusessem novas maneiras de selecionar seus
estudantes.


O SAT, tal qual o Enem, foi idealizado como um teste
que mediria menos a acumulação de conhecimento e
mais a inteligência. Em tese, isso diminuiría a vantagem
de filhos da elite e abriria as portas de Harvard para
estudantes talentosos de todas as classes sociais. O
movimento iniciado por Conant provocou uma mudança
significativa nos processos seletivos de todas as
universidades de ponta nos Estados Unidos, que
passaram a usar as notas do SAT ou de exames
similares como um dos principais critérios de escolha.

A proposta de valorizar mais o talento e menos a
condição econômica dos candidatos era revolucionária
para a época. Com o tempo, no entanto, pesquisadores
foram constatando que os resultados nesses testes
eram também fortemente influenciados pelo nível
socioeconômico dos estudantes.

Jovens pobres continuavam competindo em condições
desiguais, pelo fato de não terem as mesmas
oportunidades educacionais e por sofrerem
injustamente as consequências negativas de terem
nascido em famílias de menor renda e escolaridade. A
condição econômica, portanto, continuou prevalecendo
sobre o mérito ou talento individual.

Além do debate sobre a justiça no sistema de seleção
por testes como o SAT e o Enem, estudos recentes têm
questionado também a eficácia desse modelo. Em
março do ano passado, uma pesquisa feita na
Universidade da Califórnia mostrou que os boletins
escolares de alunos do ensino médio eram preditores
muito mais eficientes do sucesso acadêmico na
universidade (medido pelo percentual dos que
conseguiam concluir o curso) do que as notas no SAT.
Essa evidência levou a instituição a, pela primeira vez,
deixar de usar o desempenho do exame como um dos
critérios de seleção. Também no ano passado, um
estudo da Universidade de Chicago chegou à mesma
conclusão.

No Brasil, várias universidades que investigaram o
desempenho de alunos cotistas - que ingressaram com
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