Clipping Banco Central (2020-01-11)

(Antfer) #1

Ameaça é crime, no Código Penal. Ameaça de golpe também é?


Banco Central do Brasil

O Estado de S. Paulo/Nacional - Espaço Aberto
segunda-feira, 11 de janeiro de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: Rolf Kuntz


Vitória de Bolsonaro: o Brasil superou a marca de 200
mil mortes pela covid, resultado favorecido por seu
negacionismo, por seu desleixo em relação à máscara,
por sua presença em aglomerações e pela recusa a
coordenar o combate à pandemia. Exemplos indignos
de um governante foram acompanhados de
manifestações de desprezo à vida alheia, sintetizadas
em duas palavras famosas: e daí?


Foi uma grande semana para o chefe do desgoverno
brasileiro. Seu guia intelectual, moral e político, Donald
Trump, atiçou um assalto ao Congresso, tentou impedir
a certificação da vitória de Joe Biden e estimulou Mike
Pence, vice-presidente da República e presidente do
Senado, a inverter o resultado da eleição. Pence
recusou-se a cumprir a calhordice. Nos Estados Unidos
a tentativa de golpe fracassou, mas sobrou a inspiração.
Lá pode ter falhado, mas falhará no Brasil?


Algo "pior" poderá ocorrer por aqui, avisou Bolsonaro,
se ainda houver voto eletrônico em 2022, isto é, se a
sua vontade for descumprida. "Se nós não tivermos o


voto impresso em 22, uma maneira de auditar o voto,
nós vamos ter problema pior que o dos Estados
Unidos", disse ele àquele auditório disposto a aplaudir
qualquer barbaridade pronunciada por seu líder.

Mais que um aviso, foi uma evidente ameaça. Assim o
presidente da Câmara, Rodrigo Maia, interpretou -
corretamente - a fala de Bolsonaro. Afinal, que rebanho
golpista ousará atacar o Congresso Nacional, e talvez o
Supremo Tribunal Federal, sem a liderança de um
candidato a tiranete, saudoso da ditadura militar e
defensor da tortura?

Pelo Código Penal, ameaça é punível com detenção, de
um a seis meses, ou multa. O crime é caracterizado no
artigo 147: "Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou
gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe
mal injusto e grave". Qual o freio aplicável a quem
anuncia algo "pior" que os eventos de quarta-feira em
Washington - invasão e depredação do Congresso e
tentativa de mudar, num golpe, o resultado da eleição?

Não há como desconhecer ou menosprezar o risco. O
autor da ameaça já compareceu a manifestações
golpistas, discursou diante de quem defendia o
fechamento do Legislativo e do Judiciário e tentou
envolver as Forças Armadas em suas manobras
autoritárias. Mais de uma vez elogiou o coronel Carlos
Alberto Brilhante Ustra, condenado judicialmente como
torturador, e o descreveu como herói nacional. Há
poucos dias fez piada sobre a tortura sofrida na
juventude por Dilma Rousseff, futura presidente do
Brasil. A reação indignada uniu ex-presidentes, políticos
e cidadãos de diferentes ideologias.

Há quem tente minimizar as barbaridades bolsonarianas
como se fossem palavras e gestos sem consequência,
reflexos de um estilo pessoal e de "um jeito de falar".
Mas nada disso é mera questão de jeito, de
informalidade excessiva ou mesmo de uma rudeza
franca e inocente.

Em Bolsonaro, a indisfarçável grosseria aparece
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