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NA BAGAGEM
VIAJEMAIS
No interior da Terrinha
PORSÉRGIO BRANCO
As histórias vividas pela redação
Velhotes, o bom Porto que ele
me serviu, venha a se chocar
contra minha cabeça. O portu -
ga enfurecido segura um pala -
vrão na ponta da língua, re -
com põe-se do vermelho inten -
so para o rosado. “O que aca -
bei de te dizer é a verdade. Não
me venhas com essas toli ces
de internet. Posso passar horas
contando a ti a impor tância de
Sebastião José de Carvalho e
Melo, o Marquês de Pombal,
e te garanto que em nenhuma
parte estarei a dizer algo sobre
a origem do nome de Régua”,
fala alto, atraindo a atenção
de outros fregueses.
Sem-graça e chateado com
a reação intempestiva do dono
da tasca, fecho a cara. Percebo
que Antônio, bem ao estilo
dramático português, balança
a cabeça. Parece arrependido.
Enfio a mão no bolso para
pagar o pre go (sanduíche de
pão com carne), os dois finos
(chopes) e o Porto que tomei.
Meu gesto é contido pela mão
gran de e pesada de An tô nio,
que se desculpa de ca beça bai -
xa. “Sou muito veemente às
vezes, mas não me interpre tes
mal”, diz em tom brando.
Resolvo pedir mais um
fino para desfazer o climão,
e depois de uns 30 segundos
de silêncio Antônio volta a
ser o sujeito do início de nossa
conversa e puxa papo de no -
vo. “Da Régua vais seguir pa -
ra onde?”, questiona. “Vou
até Bragança, mas ainda estou
em dúvida se faço o trajeto
por Vila Real ou por Vila No -
va de Foz Côa”, esclareço.
Antônio vira-se para um
canto da tasca, pega um folha
de papel e uma caneta. Rabis -
ca umas linhas com impres -
sionante rapidez e noção de
escala. “Daqui da Régua vá
para Pinhão margeando o
Douro. O lugar é lindo, tam -
bém à beira-rio. Almoces lá e
visites a histórica estação de
comboios. Depois, pegues a
estrada para São João da Pes -
queira. Vais passar por dentro
de aldeias típicas de Portugal
e por muitas quintas. Logo
chegarás a Côa. Uma vez lá,
não deixes de ir ao parque
arqueo ló gico de pinturas ru -
pestres, um dos mais interes -
santes do mundo. Para final -
mente chegar a Bragan ça,
voltes para a estradinha que
margeia o Douro e, depois,
sigas pela autoestrada”, sugere,
dando-me o mapa do roteiro.
Em seguida, passa a falar
das atrações que encontrarei
em Bragança, praticamente
me ordena a não deixar de
vi sitar Chaves no cami nho de
volta, rumo a Guima rães e
Viana do Castelo. Ser ve-me
mais uma dose de Ve lho tes
por conta da casa e se des -
pede me abraçando como se
eu fosse um amigo que não
encontrava há décadas.
Fiz tudo o que Antônio
su ge riu e foi ótimo. Adorei
Chaves, que nem estava no
meu roteiro, e espero um dia
voltar a Régua para mais uma
dose de Velhotes com ele.
A
ntônio de Oliveira
toca há 30 anos uma
tasca em Peso da Ré -
gua, no norte de Portugal.
Quando pergunto sobre o
estranho nome da cidade, ele
abre um sorriso sob o bigodão
grisalho como se já estivesse
esperando o ato de curiosida -
de. Explica, em tom professo -
ral, que três centenas de anos
atrás existiam duas povoa -
ções: na parte alta do Rio
Douro, a de Peso; na parte
baixa, à beira-rio, a de Régua.
Com a transformação do lu -
gar no mais importante entre -
posto de vinho do Porto do
mundo no final do século 17,
algo que perdura até hoje, jun -
taram-se as povoações e os
nomes. Contudo, adverte An -
tônio, para todo português a
cidade é apenas Régua. “Pe -
so da Régua é somente no ma -
pa e para os turistas que aqui
chegam”, diz com des dém.
Ouso contestá-lo e argu -
men to que li outra coisa na
internet. Era uma versão que
ligava o nome do lugar ao do
Marquês de Pombal, talvez o
mais importante político por -
tu guês de todos os tempos e
também o criador da primeira
região vinícola de origem
contro lada do planeta, justa -
mente no Alto Douro, em
- Antônio franze o cenho
indignado. Por segundos che -
go a temer que a garrafa de
SHUTTERSTOCK