Viaje Mais - Edição 186 (2016-11)

(Antfer) #1

98 VIAJE MAIS


NA BAGAGEM


As histórias vividas pela redação


A vida secreta de um jornalista


PORROBERTO ARAÚJO

serão preenchidas. Mas, ao
final, acabo escre vendo o
suficiente para 30 páginas. Aí
é preciso pra ticamente co -
meçar tudo de novo, jogando
fora pará grafos inteiros exaus -
ti vamente traba lhados. Fica
a frustração pelo que não
foi dito. Mesmo que,
no caso da mi nha
viagem para a
Aus trália,

eu tenha feito três reportagens
para três re vistas diferentes,
o “cami nhão” de informações
conti nuou cheio.
Quando viajei pelo Rio
Reno em 2014, edição núme -
ro 157, o roteiro tinha tudo
para ser um cruzeiro muito
calmo e sossegado. Apesar
disso, toda noite eu escrevia
fu riosa mente e fazia dois

para a labuta, mesmo que fosse
para voar de helicóptero, mer -
gulhar na Grande Barreira de
Corais ou andar quilôme tros
pelo jardim botânico de
Sydney. Voltei para a redação
entupido de informações,
exausto, porém feliz.

Toda a correria, pesquisas
e experiências vividas se
tornam um “caminhão” de
infor mações do qual deve se
salvar ape nas um “balde”. Se
pouca informação é ruim, o
excesso é igualmente comple -
xo. Tudo começa com dez
páginas que parece que jamais

F


aço reportagens há
mais de 30 anos. Daria
até para fingir que a
esta altura me tornei um
repórter calmo, focado, que
sabe exatamente o que quer.
Mas seria mentira. Continuo
tão afobado como se fosse o
primeiro dia. Tenho sempre
a sensação de estar perdendo
algo essencial para a minha
reportagem, um restaurante
diferente, um parque histó -
rico, um canto de sereia. Por
isso eu corro de um lado para
outro, faço milhares de
fo tos, entrevisto todo
mun do que encon -
tro, en tro em to dos
os pas seios e en -
fren to meus me -
dos em proezas que
talvez fosse mais
prudente evitar.
O pior é que, tam bém há
décadas, sou editor e sei per -
feitamente bem que de tudo
o que eu levanto apenas uma
pequena par te será aproveita -
da. A viagem que fiz para a
Austrá lia e publiquei aqui na
edição 182, por exemplo,
durou uma semana. Talvez
pelo fuso horário, talvez por
essa ansiedade, o fato é que
ia dormir à meia-noite e às 4
da manhã já estava pronto

tipos de anotações: uma
jornalística, de tudo o que
tinha acon tecido durante o
dia, e outra fic cional, com
personagens que meu lado
escritor “via” pela Flo res ta
Negra, por Heidel berg, pelas
charmosas ruas de Koblenz,
andando pelo deque do MS
Treasures, que era o nome do
navio onde eu estava. Agora,
dois anos e meio depois, tenho
olhado para es -
sas ano tações fic -
cionais fanta sian -
do que talvez
pos sa fazer delas
um livro in teiro,
ta manho meu
entu sias mo
na viagem.
Esse pro -
ble ma parece
não ter solu ção.
De ver da de, acre dito que
dormir e ficar tran quilo é
algo para fazer em casa. Uma
viagem é sempre a aventura
pelo novo. As sur pre sas, um
palácio cheio de histórias no
meio de um bosque, algo
engraçado ou imprevisto
estão em cada canto. Por isso
eu sempre corro. Vai que,
de repente, eu escute um
canto de sereia que Ulisses
jamais ouviu.

SHUTTERSTOCK
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