National Geographic - Portugal (2021-02)

(Antfer) #1
MULHERES EM MIGRAÇÃO 75

EM CIMA
Noor Asma, uma
mulher rohingya de
Myanmar, durante uma
aula de inglês em
Sydney, segura ao colo
o bebé recém-nascido.
A maior parte das
mulheres rohingya da
turma chegou ali de
barco entre 2013 e
2016, fugindo da
violência.


À ESQUERDA
Sajeda, ao centro,
manifesta-se para
exigir direitos para os
refugiados na Austrália,
país onde muitos vivem
com vistos temporários
durante longos anos,
sem residência
permanente, e outros
são retidos em centros
de detenção. “Quero
que as nossas mulhe-
res, tal como as outras
mulheres, tenham
oportunidades”, diz.
“Quero que todos
possam voar como eu.”


Há muito que o governo de Myanmar persegue
os rohingya, uma minoria étnica muçulmana. A
violência começou em 2012, levando Sajeda e a
sua família a fugirem. Em finais de 2017, cerca de
um milhão de rohingya já tinham escapado para
o vizinho Bangladesh e para outros países.
“Não podemos confiar na noite”, recorda
Asma, hoje com 16 anos, referindo-se ao tem-
po em que os militares lhes entravam pela casa
adentro. Violavam as mulheres e arrastavam os
homens para a rua, detendo-os ou obrigando-os
a trabalhos forçados. O governo de Myanmar
proibiu o uso da palavra “rohingya”.
Durante os três meses que passaram no cen-
tro de detenção, Asma e Sajeda sentiram-se
ofendidas por as autoridades as tratarem por
números, consoante o navio em que tinham
chegado: ROM006 e ROM007. Mesmo assim, ra-
pidamente se adaptaram à sua nova vida. Quan-
do começou a frequentar a escola pública, Asma
não sabia falar inglês, mas sorria e ria à mesa
com as suas colegas australianas enquanto co-
miam pão com salsicha.
“Fiquei obcecada com aquela comida em
Darwin”, diz Asma.
Por fim, Sajeda, hoje com 32 anos, e a família
foram reinstaladas em Sydney, ao abrigo de um
programa australiano que lhes pagou as passa-
gens de avião e subsidiou as suas despesas de
sustento durante os primeiros meses. Na qua-
lidade de refugiados, tinham direito a receber
ajudas do Estado. Sajeda descobriu o ketchup e
perdeu-se de amores pelo churrasco australia-
no. Ofereceu-se como voluntária para trabalhar
numa cozinha comunitária, arranjou um traba-
lho a tempo parcial na escola dos filhos e apren-
deu a conduzir. A família mudou-se para uma
casa nova em Lakemba, um subúrbio de Sydney
onde se falava rohingya nas ruas. Viu a alegria
estampada nos olhos dos filhos quando abriram
a porta da sua primeira casa.
“A palavra ‘liberdade’ surgiu, vinda não sei
muito bem de onde”, diz Asma. “Estava escri-
to que era aqui que eu deveria estar. Esse sen-
timento de pertença inundava-me por dentro.”
Em Myanmar, quem dizia o que pensava em voz
alta arriscava-se a ser morto. Na Austrália, Sa-
jeda ouviu as pessoas a exprimirem em público
os seus pensamentos e ela fez o mesmo. No ex-
terior da mesquita de Lakemba, vendo os mu-
çulmanos espalharem-se pela rua após a oração,
ela maravilha-se com o que vê: “É a primeira vez
que vejo algo assim.” — A. A.
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