80 NATIONAL GEOGRAPHIC
EM CIMA
Haleema, de 22 anos, à
esquerda, uma rapariga
hazara de Quetta, que
só tem um nome,
conversa com os
colegas durante uma
aula de poesia. Para
financiar o curso
universitário em
Islamabad, Haleema
trabalha como educa-
dora de infância. Planeia
tornar-se professora.
À DIREITA
Outra rapariga hazara
de Quetta, Farheen,
de 22 anos, estuda
literatura inglesa em
Islamabad. Faz os
trabalhos de casa
num hostel para
mulheres perto da sua
universidade. Sobre
a cabeceira da cama,
vêem-se fotografias
das estrelas de K-pop
a cujas canções ela
atribui o mérito de
terem tornado a sua
mente mais aberta.
“Falam em homicídios por honra com imensa
ligeireza”, diz Farheen, referindo-se à prática de
os homens matarem as mulheres que crêem ter
envergonhado a família. “Isso assusta-me.”
Farheen dá a seguinte explicação: “Quando
uma pessoa parte para Quetta, a sua mente co-
meça a fechar-se. Tal como a mente, o coração.”
No entanto, quando alguém se afasta de Quetta,
a mente e o coração abrem-se. Os hazara que se
irritam com os rigores da vida em Quetta podem
decidir que, para terem um futuro, precisam de
migrar para países como a Austrália, o Irão e a
Turquia. Para muitos jovens hazara residentes em
Quetta, os estudos têm sido o seu caminho rumo
a uma nova confiança e à liberdade.
Segundo a interpretação hazara dos valores is-
lâmicos, os estudos são socialmente desejáveis e
um imperativo religioso. Constituem um objecti-
vo para toda a vida, quer para homens quer para
mulheres. Para Farheen, isso implicou deixar
Quetta, em 2017, para estudar literatura na Uni-
versidade Nacional de Línguas Modernas em Isla-
mabad, a capital do Paquistão.
Uma vez ali chegada, Farheen diz que os seus
medos se atenuaram. Começou a viajar de auto-
carro para as aulas e a frequentar locais públicos
cheios de movimento. Ficou com o espírito mais
aberto. Quando pela primeira vez ouviu falar em
K-pop, o género musical oriundo da Coreia do Sul,
desvalorizou-o. “Os rapazes pareciam raparigas e
usavam maquilhagem”, diz. Mas as canções, fá-
ceis de memorizar, chamaram-lhe a atenção. Co-
meçou a ouvir atentamente as letras e, pouco de-
pois, estava viciada. Agora diz sentir-se mal pelo
seu juízo desfavorável. “A K-pop ajudou-me muito
a aceitar novas ideias.”
Farheen interessou-se pela cultura coreana.
Estudou o idioma e praticou danças de K-pop.
As bandas interpretavam canções sobre homofo-
bia, saúde mental e a dificuldade de ser adoles-
cente, o que a ajudou a emergir de vários anos de
ansiedade e depressão.
Ela vê a sua incursão até Islamabad como um
primeiro passo no sentido de descobrir um mun-
do para lá dos limites de Quetta. Depois de se li-
cenciar, gostaria de visitar o Canadá, estudar dan-
ça nos EUA ou fazer uma viagem pelo Afeganistão,
o seu país natal. Consegue imaginar-se a viver na
Coreia do Sul. Acima de tudo, Farheen segue um
rumo que a libertará do seu passado e do peso da
história de perseguição da sua cultura. Para onde
quer ir? Farheen diz: “Para um sítio onde ninguém
me conheça.” — A. A.