National Geographic - Portugal (2021-02)

(Antfer) #1
FEVEREIRO 2021

Não é só na medicina que a procura de compos-
tos bioactivos acontece. É igualmente pertinente
na agricultura. Um exemplo relevante dessa abor-
dagem é o combate a pragas de insectos em produ-
ções hortícolas e de árvores de fruto, sendo a activi-
dade biocida desses elementos testada em diversas
bactérias fitopatogénicas.
Cruzando longitudinalmente o Baixo Alentejo, a
Faixa Piritosa Ibérica é uma longa formação geoló-
gica que penetra na Andaluzia, quase até Sevilha.
E é ali que o ProBioma incide, seguindo uma aborda-
gem inovadora, com recurso à biotecnologia e biolo-
gia molecular para o estudo da transcriptómica e do
genoma completo dos microrganismos em análise.
Ao longo da história, o subsolo desta região, rico
em minerais, tem sido testemunho de múltiplos
esforços das comunidades locais para a sua explo-
ração mineira. É um território hostil, que imprimiu
stress às espécies lá existentes, ao longo da evolu-
ção, o que as levou ao desenvolvimento de metabo-
lismos capazes de sobreviver à escassez de nutrien-
tes orgânicos. Ali, só os mais fortes vingam através
da produção de compostos bioactivos contra outros
organismos concorrentes, numa luta silenciosa
mas implacável pelos poucos recursos disponíveis.
No outro Alentejo, na sombra da austera fachada
da Sé de Évora, o quartel-general do HERCULES pa-
rece uma verdadeira Babel. Cientistas de várias na-
cionalidades trabalham em conjunto sob os tectos
abobadados de tijolo burro, emprestando uma ban-
da sonora multilingue a este centro de investigação.
Debruçada sobre um sequenciador de ADN de
nova geração Miseq Ilumina, de aspecto futuris-


ta, Teresa Caldeira estuda dados aparentemente
ininteligíveis. Segundo ela, os resultados são aus-
piciosos: “A análise do genoma das bactérias selec-
cionadas permitiu já encontrar conjuntos de genes
envolvidos na síntese de metabolitos secundários e
a identificação de mecanismos genéticos associados
à produção desses compostos bioactivos, que apre-
sentam também actividade antibacteriana e antitu-
moral.” E acrescenta: “Devido à sua capacidade de
degradar compostos xenobióticos, poluentes de so-
los e águas, pela sua produção de lípidos, compostos
surfactantes ou polissacarídeos, com propriedades
de melhoria de solos agrícolas, muitos destes mi-
crorganismos são benéficos para o ambiente e po-
dem vir a ser utilizados em grande escala.”
Dias mais tarde, uma centena de quilómetros
a sul, à saída da mina do Lousal, e à medida que
a proverbial luz ao fundo do túnel cresce, um céu
plúmbeo aguarda os investigadores que terminam
mais uma campanha de campo. Entre o ribombar
surdo e distante dos trovões, uma chuvada torren-
cial cai e a neblina densa abate-se, fazendo as si-
lhuetas das torres mineiras parecer os gigantes de
Dom Quixote de La Mancha.
Sob os pés, o caminho de regresso rapidamen-
te se torna um riacho lamacento, mas o aguaceiro
é bem recebido pela equipa após horas na escuri-
dão, a respirar ar viciado. Estiveram num ambiente
improvável que, nos próximos anos, se espera que
traga à comunidade científica e ao público novas
soluções tecnológicas providenciadas pelos minús-
culos organismos que fazem das húmidas e escuras
galerias a sua casa.

Pormenores de amostras minerais recolhidas na mina da Panasqueira, que em meados do século passado era a maior
e mais importante mina de Portugal e uma das maiores explorações de volfrâmio do mundo. Durante a Segunda
Guerra Mundial chegou a ter mais de dez mil trabalhadores e a processar mil toneladas de materiais por dia.
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