National Geographic - Portugal (2021-02)

(Antfer) #1

Num popular livro publicado em 1983, o biólogo britânico Pe-
ter Medawar e a sua mulher, Jean, asseveravam: “Não conhe-
cemos nenhum vírus que faça bem. Alguém disse em tempos,
e muito bem, que um vírus é ‘uma má notícia embrulhada em
proteína’”. Estavam errados.
Muitos outros cientistas dessa época também erraram, mas
esse ponto de vista continua a ser aceite, e compreensivelmen-
te, por qualquer pessoa cujo conhecimento dos vírus seja limi-
tado a notícias tão más como a gripe e a COVID-19. Hoje em dia,
porém, sabemos que alguns vírus fazem bem. Aquilo que está
embrulhado na proteína é uma remessa genética que poderá
originar bons ou maus resultados.


DE ONDE VIERAM OS PRIMEIROS VÍRUS? Esta pergunta obriga-nos
a olhar de relance para o passado, fixando-nos há quase quatro
mil milhões de anos, num tempo em que a vida na Terra estava a
emergir de um caldo rudimentar de moléculas longas, compostos
orgânicos mais simples e energia.
Digamos que algumas das moléculas longas (provavelmente
RNA) começaram a replicar-se. A selecção natural darwiniana
deve ter começado aqui, quando estas moléculas (os primeiros
genomas) se reproduziram, entraram em mutação e evoluíram.
Em busca de vantagem competitiva, algumas podem ter encon-
trado ou criado protecção no interior de membranas e paredes,
dando assim origem às primeiras células.
Essas células multiplicaram-se por fissão, dividindo-se em
duas. Dividiram-se também num sentido mais abrangente, di-
vergindo entre si de maneira a transformarem-se em Bacteria
e Archaea, dois dos três domínios da vida celular. O terceiro,
Eukarya, surgiu algum tempo mais tarde. Inclui-nos a nós e a
todas as outras criaturas (animais, plantas, fungos e alguns mi-
cróbios) constituídos por células com anatomia interna comple-
xa. Estes são os três grandes ramos da árvore da vida, tal como
se apresenta actualmente.
Onde encaixam, então, os vírus nesta narrativa? Serão um
quarto grande ramo? Ou uma espécie de visco, um parasita vin-
do de outro sítio? A maioria das versões da árvore omitem os
vírus por completo.
Segundo uma escola de pensamento, os vírus não deveriam
estar incluídos na árvore da vida porque não estão vivos. É um
argumento persistente, dependendo daquilo que consideramos
“estar vivo”. Para mim, o mais intrigante é incluir os vírus na
grande tenda a que chamamos Vida e depois interrogarmo-nos
sobre como lá entraram.
Há três grandes hipóteses explicativas das origens evolutivas
dos vírus, conhecidas pelos cientistas como "Virus-first" (vírus
antes das células), Escape e Redução. Segundo a hipótese do "Vi-
rus-first", os vírus surgiram antes das células, compondo-se de al-
guma forma a partir desse caldo primordial. Segundo a hipótese
do Escape, houve genes, ou pedaços de genomas, que escaparam
das células, ficaram encapsulados em cápsides de proteína e fugi-
ram ao controlo, descobrindo um novo nicho enquanto parasitas.


Como contar
osvírus

Para contarmos os vírus
existentes no Habitat
de Recifes Tropicais e
Jardim de Corais Moles
do Aquário do Pacífico,
pedimos ajuda a
Alexandra Rae Santora,
uma doutoranda que
trabalha com Jed
Fuhrman, docente da
Universidade do Sul da
Califórnia. Alexandra
introduziu a amostra
num filtro de 0,02
micrómetros que capta
bactérias e vírus,
utilizando um corante
que se fixa no DNA para
os tornar visíveis sob
um microscópio de
epifluorescência.
Os organismos maiores
são bactérias e os
pontos são vírus. Com
uma grelha de conta-
gem, a cientista deter-
minou o número de vírus
no campo visual. Tendo
em conta a dimensão do
filtro e volume de água,
foi-lhe possível calcular a
população por litro.

ALEXANDRA RAE SANTORA
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