VÍRUS 15
Depois, a equipa de Marselha descobriu outros dois gigantes
(mais uma vez, parasitas de amebas): um colhido em sedimen-
tos marinhos de baixa profundidade, ao largo da costa do Chile,
o outro numa lagoa na Austrália. Com o dobro do tamanho do
Mimivirus, ainda mais anómalos, foram atribuídos a um gé-
nero diferente, ao qual Jean-Michel Claverie e os seus colegas
chamaram Pandoravirus, numa evocação da caixa de Pandora
mitológica, como explicaram em 2013, devido “às surpresas que
esperavam encontrar a partir do seu estudo aprofundado”.
O co-autor sénior do ensaio foi Chantal Abergel, virologista e
bióloga estrutural (bem como esposa de Jean-Michel). Referin-
do-se ao Pandoravirus, Chantal disse-me, com uma gargalhada
cansada: “Traziam grandes desafios. Eram os meus bebés.” Ex-
plicou-me como fora difícil dizer o que eram aquelas criaturas
- tão diferentes das células, tão diferentes dos vírus clássicos,
contendo tantos genes em nada parecidos com qualquer coisa
antes vista. “Tudo aquilo torna-os fascinantes, mas também mis-
teriosos.” Durante algum tempo, chamou-lhes NLF: new life-form
[novas formas de vida]. Contudo, ao observar que não se replica-
vam por fissão, Chantal e os colegas aperceberam-se de que eram
vírus. Os maiores e mais desconcertantes encontrados até à data.
Estas descobertas sugeriram ao grupo de Marselha uma va-
riante ousada da hipótese da redução. Talvez os vírus tivessem
origem na redução de células ancestrais, mas células de um tipo
que já não existe na Terra. Este tipo de “protocélula” ancestral
talvez fosse diferente do antepassado universal comum a todas
as células actualmente conhecidas e tivesse competido com ele.
Talvez estas protocélulas saíssem derrotadas dessa competição
e fossem excluídas de todos os nichos disponíveis para as for-
mas de vida independentes. Poderão ter sobrevivido como pa-
rasitas noutras células, reduzindo os seus genomas e transfor-
mando-se naquilo a que chamamos vírus. Desse reino celular
desaparecido, talvez restem apenas os vírus, como as cabeças de
pedra gigantes da ilha da Páscoa.
A
DESCOBERTA DOS VÍRUS GIGANTES serviu de inspira-
ção a outros cientistas, em especial Patrick Forterre,
do Instituto Pasteur em Paris, que formularam novas
ideias sobre o que são os vírus e quais os papéis cons-
trutivos que representaram e continuam a representar na evolução
e funções da vida celular.
Patrick argumentou que as definições anteriores de “vírus”
eram inadequadas porque os cientistas confundiam as partículas
virais (pedaços de genoma envoltos em cápsides, devidamente
conhecidos como viriões) com a totalidade de um vírus. No seu
entender, isso estava tão errado como confundir uma semen-
te com uma planta ou um esporo com um cogumelo. O virião é
apenas o mecanismo de dispersão, afirmou. A totalidade do vírus
também inclui a sua presença numa célula, assim que assume o
controlo da maquinaria celular para replicar mais viriões: mais
sementes suas. Ver as duas fases juntas é ver que a célula se tor-
nou efectivamente parte da história da vida do vírus.