VÍRUS 17
Patrick Forterre reforçou essa ideia inventando um novo
nome para a entidade conjunta: virocélula. Esta ideia também
resolvia o enigma do vivo-ou-não-vivo. Segundo o investigador,
um vírus está vivo quando é uma virocélula, apesar de os seus
viriões serem inanimados.
“A ideia subjacente ao conceito da virocélula era sobretudo
centrar-me nesta fase intracelular”, disse-me numa videocha-
mada a partir de Paris. Trata-se da fase delicada em que a célula
infectada, tal como um zombie, obedece às instruções do vírus,
lendo o genoma viral e replicando-o, mas nem sempre sem fa-
lhas, tropeções e erros. Durante esse processo, “novos genes
podem surgir de um genoma viral. E eu considero isto muito
importante”, acrescentou Patrick.
Os vírus trazem inovação, mas as células reagem com as suas
próprias inovações defensivas, como a parede celular ou o núcleo,
numa corrida rumo a maior complexidade. Muitos cientistas pre-
sumiram que os vírus alcançaram as suas principais alterações
evolutivas através do paradigma do “vírus carteirista”, roubando
DNA a um e outro organismo infectado para, em seguida, usarem
as peças roubadas no genoma viral. Patrick Forterre argumenta
que o roubo pode, com mais frequência, acontecer ao contrário e
serem as células que roubam genes aos vírus.
Uma visão ainda mais arrebatadora, partilhada por Patrick,
Jean-Michel e outros cientistas da área, incluindo Gustavo Cae-
tano-Anollés da Universidade de Illinois, defende que os vírus
são a mais importante fonte de diversidade genética. Segundo
esta linha de raciocínio, os vírus enriqueceram as opções evo-
lutivas das criaturas celulares ao longo dos últimos milhares de
milhões de anos, depositando novo material genético nos seus
genomas. Este processo bizarro é uma versão de um fenóme-
no conhecido como transferência horizontal de genes: genes
fluindo lateralmente e atravessando fronteiras entre diferentes
linhagens. A transferência vertical de genes é a forma hereditá-
ria mais comum: dos progenitores para os seus descendentes.
O fluxo de genes virais para os genomas celulares tem sido
“impressionante”, argumentaram Patrick Forterre e um co-au-
tor num artigo recente. Essa cicunstância pode ajudar a explicar
algumas grandes transições evolutivas, como a origem do DNA,
a origem do núcleo celular nas criaturas complexas, a origem
das paredes celulares e possivelmente a divergência daqueles
três grandes ramos da árvore da vida.
A
NTES DA PANDEMIA, as discussões interessantes com
cientistas, por vezes, realizavam-se em contactos
directos, face a face. Há três anos, voei de Montana
nos Estados Unidos para Paris porque queria conver-
sar com um homem sobre um vírus e um gene. Esse homem era
Thierry Heidmann e o gene chamava-se sincitina-2. Thierry
e o seu grupo descobriram-no, examinando o genoma humano
em busca de pedaços de DNA que parecessem o tipo de gene
que um vírus usaria para produzir o seu envelope. Encontraram
cerca de vinte. (Continua na pg. 22)