National Geographic - Portugal (2021-02)

(Antfer) #1
PRESERVAROPARAÍSO 43

Dois garimpeiros de
ouro trabalham num
riacho junto do Parque
Nacional de Corcovado.
O garimpo de ouro, que
durante décadas foi um
modo de vida em Osa,
é ilegal na Costa Rica
porque polui o
ambiente, mas o
Estado tolera alguma
mineração artesanal.
Certas comunidades
outrora dependentes
da extracção mineira
conseguiram, com
sucesso, redireccionar
a sua economia para
o ecoturismo.

rompendo a conversa a partir do sofá onde estava
sentada, no canto da sala. “São os caçadores.”
A transformação de Rancho Quemado foi for-
jada pela necessidade, pois não havia emprego
suficiente para todos. A sua orientação, porém,
foi determinada pelo ensino. Em 2002, Enrique
Ureña e 14 outros conterrâneos, com idades com-
preendidas entre 14 e 60 anos fizeram um curso
intensivo de biologia florestal. Entre outras lições,
os alunos aprenderam como os pecaris actuam
como “engenheiros do ecossistema”. Dispersam
as sementes, criam habitats para animais aquáti-
cos quando chafurdam no solo e alteram a estru-
tura da floresta comendo as sementes de plantas
comuns, permitindo assim que outras, mais raras
e diversificadas, tenham possibilidade de vingar.


Ao aprenderem que a biodiversidade em seu
redor era um chamariz natural, os moradores
aprenderam também a criar negócios ecoturís-
ticos. Agora, a aldeia monitoriza o movimento
dos pecaris, faz censos de aves, mantém arma-
dilhas fotográficas, recolhe sementes de árvores
e disponibiliza passeios da floresta e programas
educativos para crianças. Marco Hidalgo ajudou
a orientar e a incentivar esta mudança de atitude,
mas não colhe os méritos do seu sucesso.
“Eles pegaram nas ferramentas e mudaram
por si próprios”, afirmou.
Nem todas as comunidades de Osa passaram
por tamanha metamorfose. Marco disse-me que
Los Angeles de Drake, uma aldeia na zona nor-
te da península, se opõe tão encarniçadamente
à conservação que, quando o trabalho o leva até
lá, tem de estacionar atrás do portão fechado da
escola para não lhe vandalizarem o carro. No en-
tanto, pelo menos em 2019, apercebi-me de uma
mudança profunda a favor da protecção da natu-
reza em muitas das pessoas que conheci.
Passei dois dias com Tomas Muñoz, que cres-
ceu em Dos Brazos de Rio Tigre, outra aldeia
outrora dependente da actividade mineira ilegal
que apostou no ecoturismo para sobreviver. To-
mas começou a caçar quando tinha 10 anos e a
peneirar ouro dois anos mais tarde. Ele calcula
que tenha passado 25 dias por mês na selva desde
os 14 anos, idade em que desistiu da escola.
Aprendeu todos os truques da floresta, in-
cluindo a maneira de fugir aos vigilantes da
natureza e à polícia. Aprendeu que deveria ca-
minhar apenas sobre raízes e pedras para não
deixar pegadas. Não se deveria lavar no riacho
junto do qual acampara, porque a espuma apa-
rece a jusante. E não poderia usar cremes nem
protector solar porque os cheiros estranhos são
fáceis de detectar na floresta.
“Certa vez, farejei o óleo multiusos das armas
dos vigilantes”, disse-me. “Estavam a 80 metros
de distância. Dispersámo-nos e vimo-los passar
do outro lado do rio. Nunca me apanharam”,
acrescenta com um sorriso. “Eu corria demasia-
do depressa.”
Quando tinha 20 anos, Tomas deixou de caçar
porque um dos seus tios, que trabalhava como
guia, o convenceu de que estava a desperdiçar
a vida e que poderia viver muito melhor se con-
duzisse turistas até aos animais em vez de os
matar para consumir a sua carne. Contudo, não
foi fácil superar a atracção atávica pelo modo de
vida antigo.
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