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“O meu tio levou-me a um posto de vigilan-
tes da natureza e vi galinhas selvagens e pecaris
mesmo ao meu lado”, recorda. “O meu instinto
foi procurar um pau ou uma pedra para os matar.
O instinto estava na minha cabeça. Precisei de
dois anos para me livrar dessa vontade.”
Tomas contou-me a sua história enquanto ca-
minhávamos numa praia cinzenta, junto da entra-
da meridional do Parque de Corcovado. Passámos
esse dia no parque. Tomas trazia consigo o tripé
para a sua telescópio de observação sobre o ombro
como uma espingarda, parando abruptamente
para atrair alguns macacos-aranha para perto de
nós com um chamamento, para me apontar um
carcará-do-norte, uma família de macacos-capu-
chinhos, uma minúscula rã ou um quati-de-nariz-
-branco a mordiscar um caranguejo.
No dia seguinte, levou-me a visitar a aldeia
de Dos Brazos, que tem um trilho até ao parque
saindo da sua zona oriental. Foi construído pelos
próprios aldeãos, na sua maioria antigos minei-
ros de ouro. Tomas ajudou a formar alguns para
serem guias, enquanto outros aldeãos forneciam
alojamento a turistas, refeições e aulas de culi-
nária. O trilho não tem ligação à rede prévia do
parque, mas o seu acesso é mais fácil e proporcio-
na alguns dos melhores pontos de observação de
aves da península.
“Antigamente, as pessoas só falavam sobre o
ouro que apanhavam”, disse Tomas. “Agora, as
conversas são sobre aves.”
NA PRIMAVERA SEGUINTE, não houve turistas para
quem cozinhar, nem trabalho para os guias em Dos
Brazos nem em Rancho Quemado. Não houve
voluntários em Osa Conservation para tratar das
árvores, nem para manter os predadores longe das
crias de tartaruga-marinha na praia do Pacífico.
A Costa Rica optou por uma reacção agressiva à
ameaça da COVID-19, proibindo todas as viagens
internacionais. No final de Novembro de 2020,
quando os Estados Unidos já tinham sofrido
264.808 mortes, a Costa Rica registara 1.690.
No entanto, os prejuízos económicos foram
catastróficos. A indústria turística desabou, es-
tancando o financiamento do sistema nacional
de parques, obrigando as autoridades a encerrar
Corcovado no mês de Março e a retirar os vigi-
lantes do parque.
Durante algumas semanas, tudo esteve cal-
mo. Foi então que foi lançado o aviso numa con-
versa de grupo entre alguns guias turísticos de
Osa numa rede social: alguém estava a aprovei-
tar-se da falta de turistas e da aplicação da lei
para organizar caçadas dentro do parque.
Dois caçadores mataram nove pecaris por
desporto. Quando contactei Dionisio Paniagua
Castro, guia turístico de longa data e, desde a
pandemia, activista em prol da conservação da
península, consegui sentir a sua angústia pelo
telefone. “Tantos animais... para se divertirem!”
disse. “Tínhamos mesmo de fazer algo.”
Os guias alertaram as autoridades, que desta-
caram forças policiais para o local e fizeram algu-
mas detenções. Contudo, o parque era demasia-
do grande e a aplicação da lei demasiado dispersa
e esporádica para gerir o crescente desastre.
Não eram apenas os caçadores. Com o desem-
prego e o aumento do preço global do ouro devido