National Geographic - Portugal (2021-02)

(Antfer) #1

64 NATIONAL GEOGRAPHIC


EM CIMA
Kataleya permaneceu
quatro meses na cidade
de Tapachula, no Sul
do México, até obter
o visto que lhe permitiu
empreender a viagem
de autocarro de quatro
mil quilómetros para
norte, até à fronteira dos
EUA, em vez de cami-
nhar ou andar à boleia.

À DIREITA
Tijuana assinalou o final
da viagem de Kataleya
através do México e o
início do seu processo
como requerente de
asilo. A espera de um
mês tornou-se perma-
nente para Kataleya
(de T-shirt cor-de-rosa)
quando os EUA
fecharam a fronteira
a todos os imigrantes
em Março de 2020,
devido à pandemia.

Antes de subir para o autocarro, Kataleya
fez as suas despedidas das pessoas por quem
passava na rua, dos seguranças do seu restau-
rante favorito de comida rápida e das suas com-
panheiras de quarto – estranhas que se haviam
tornado suas amigas, no desafio partilhado
da fuga. “Vou-me finalmente embora de Tapa-
chula”, disse.
Funcionários dos serviços de imigração man-
daram o autocarro parar para verificarem os
documentos dos passageiros – a primeira de 20
paragens e postos de controlo que haveriam de
marcar o ritmo perturbado e angustiado das 72
horas e quatro mil quilómetros seguintes. Mui-
tos migrantes que não conseguem obter os docu-
mentos de trânsito preferem atravessar o México
à boleia ou a pé, de modo a evitarem as autorida-
des e o risco de terem de saltar de um comboio
em andamento. São sujeitos à violência de qua-
drilhas criminosas, agressões sexuais, extorsão,
recrutamento pela criminalidade organizada e
raptos. Kataleya teve sorte: tinha documentos.
Ao terceiro dia de viagem, o fedor da casa de ba-
nho era tão intenso que as pessoas enrolavam len-
ços à volta do nariz sempre que a porta se abria.
As mochilas e as carteiras pareciam rebentar, de
tão carregadas que iam com roupas amarrotadas
e artigos de higiene. Kataleya lavou-se com toa-
lhitas e retocou o batom. Horas depois de parti-
rem de Tijuana, o autocarro irrompeu em grande
agitação. Os migrantes acotovelavam-se contra as
janelas, espreitando uma linha metálica que ser-
penteava pela imensidão de erva amarelada. Era
a vedação da fronteira com os EUA.
Em Tijuana, Kataleya recebeu o número pelo
qual o seu requerimento de asilo seria avaliado:
4.050. Nessa altura, as autoridades estavam a
avaliar o requerimento número 2.925. Seis meses
mais tarde, e cerca de duas semanas antes da data
prevista para a avaliação do seu requerimento, o
governo norte-americano encerrou a fronteira
devido à pandemia de COVID-19, suspendendo a
apreciação dos pedidos de asilo.
Entre a incerteza e a violência na fronteira com
o México e a rejeição sentida no seu país, Kata-
leya apercebe-se de que a esperança que a impul-
sionara a empreender a viagem até aos EUA foi
substituída por um pavor visceral que não con-
segue evitar. Durante este período, foi assaltada
e espancada em abrigos para migrantes LGBTQ.
Noutras ocasiões, precisou do apoio financeiro de
vários homens. O desespero instalou-se. “Da noi-
te para o dia, tudo se desmoronou”, diz. — A. A.
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