Adega - Edição 184 (2021-02)

(Antfer) #1

Revista ADEGA - Ed.184 | (^73)
“Desclassificados”
Como se pode perceber, diante de normas
rígidas, alguns produtores podem, às vezes,
decidir por “desclassificar” seus vinhos
voluntariamente. Um exemplo clássico e até um
pouco insólito é o de Angelo Gaja, dito rei de
Barbaresco. Apesar de ter sido um dos nomes
que mais contribuiu para o desenvolvimento dos
vinhos da região e do nome Barbaresco, alguns
de seus principais rótulos, como Sorì Tildin,
Costa Rusi e Sorì San Lorenzo, por exemplo,
ficaram anos a fio sem ser DOC, pois, além da
Nebbiolo, recebiam uma pequena parcela de
Barbera, o que é proibido pelas regras locais.
Só recentemente é que os vinhos voltaram a
ser feitos 100% com Nebbiolo e assim puderam
ostentar o nome da DOCG (Denominazione di
origine controllata e garantita) no rótulo.
Em outras situações, contudo, os produtores
são obrigados a desclassificar seus vinhos. Em
algumas regiões, há regulamentos que limitam
a produção de uvas por hectare, o rendimento
máximo. Então, se o produtor fizer vinhos
acima da quantidade permitida, o excesso
precisa ser vendido à granel ou sob um rótulo
mais “genérico”. Durante muitos anos, isso foi
bastante comum na Borgonha, onde vinhedos
de classificação mais alta, às vezes, eram
“rebaixados” devido ao rendimento.
Algumas das principais controvérsias entre
produtores e conselhos reguladores das DOCs
residem em disputas sobre uso de variedades
proibidas ou de processos de vinificação
não regulamentados (ou, às vezes, regrados
demais). Por isso, produtores ditos “naturais”,
por exemplo, dificilmente tendem a ter seus
vinhos aceitos pelas denominações. E não é
à toa que muitas denominações mais rígidas,
especialmente francesas, estão, aos poucos,
tentando flexibilizar algumas regras, evoluir.
Quando a DO Vale dos Vinhedos foi finalmente
registrada em 2012, ADEGA questionou os
enólogos da região sobre as regras. Na ocasião,
Daniel Dalla Vale, da Casa Valduga, afirmou: “A
denominação deve ser uma coisa dinâmica, que
tem que evoluir. Esse é só o primeiro ponto, a
partida”. Para ele e todos os ouvidos na época,
a denominação era um avanço importante (e
continua sendo). Flávio Pizzato, por exemplo,
afirmou: “Ter uma DO indica seriedade
no sentido de ter autorregulação. Mostra
maturidade”.
CHÂTEAUNEUF-DU-PAPE,
A PRIMEIRADOC?
Diz-seque, em 1894, quandohavia
muita fraudeem relaçãoaos vinhos
de Châteauneuf-du-Pape,os
viticultoresformaramum sindicado
presididopelo prefeitoda cidade.
Em 1919, eles conseguiramaprovar
uma lei que definiaos limites
geográficosda região.Em 1923,
uma delegaçãode viticultoresfoi ao
ChâteauFortia e pediu ajuda ao seu
proprietário,o Barão Le Roy, para
criar uma legislaçãomais específica
para protegersua denominação.
Assim,o Sindicatodos Viticultores
de Châteauneuf-du-Papereuniu-
se várias vezes para definirtodas
as condiçõesnecessáriaspara dar
aos vinhoso direitoao uso do nome
Châteauneuf-du-Pape.O caso foi
levadoao tribunalda Comunade
Orange,que designouum painel de
especialistasque ficou encarregado
de estabelecera base jurídicapara
as “condiçõesde origemterritorial
e tradiçõesfiéis, constantese
locais relativasà denominação
Châteauneuf-du-Pape”.Após quatro
anos de deliberações,o painel
publicouseu relatórioe, em 21 de
novembrode 1933, foi aprovadauma
lei que definiuos limitesgeográficos
e as necessidadesde produçãodo
vinho de Châteauneuf-du-Pape.
Acredita-seque este foi o primeiro
conjuntode leis a respeitonão
apenasdas fronteirasgeográficas,
mas tambémdos parâmetrosde
produçãode um vinho específicona
França.
Enfim, atualmente, produzir ou não um
vinho DOC é uma decisão estratégica da
vinícola. Em alguns casos, o produtor acredita
que está criando algo representativo do terroir
local e também se beneficia do nome do terroir
no rótulo, em outros, abre mão desse direito
para produzir mais livremente. Ou seja, ter
o nome de uma denominação estampada no
rótulo só diz que o vinho, teoricamente, é um
legítimo representante de uma determinada
região, segundo as regras locais. Melhor ou pior
são termos que não se aplicam.
Vinhos com
denominação
de origem não
são melhores ou
piores do que os
que não possuem
DOC, eles apenas
representam a
essência de sua
região

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