98 VIAJEMAIS
NA BAGAGEM
As histórias vividas pela redação
PORTALES AZZI
principalmente ao oferecer
coisas. “Vai um cafezin? Um
quejin? Uma tacinha de vin?”.
É até bem simpatiquinho da
parte deles. Há uma regra de
construção do diminutivo
mineiro: é preciso suprimir
o final “HO”, como em tor-
resmin, sapatin... O mesmo
não acontece com as palavras
femininas: pedrinha, frutin-
ha, casinha... Essas não mu-
dam a grafia.
Já outras palavras que todo
mundo pensa ser gíria de caipi-
ra da roça são, na realidade,
palavras do português arcaico
que permaneceram ao longo
dos tempos devido ao isola-
sempre de olho nas riquezas
de todo mundo. Vem daí tam-
bém o hábito mineiro de faz-
er-se de humilde, não contar
vantagem e reduzir o valor de
seus pertences. Até hoje é assim.
Se você perguntar para um
mineiro com que ele trabalha,
mandando um “cê mexe com
quê?”, em bom mineirês,
poderá ouvir como resposta
algo do tipo “tenho lá um
gadim e umas terrinha”. Na
realidade, são cinco mil cabeças
de gado em um megalatifún-
dio, mas para que fazer alarde?
Seria por causa desse com-
portamento, aliás, que vem o
uso (e abuso) dos diminutivos,
S
ou de família mineira e,
por isso, cresci acostu-
mado a entender o
mineirês, o idioma falado em
Minas Gerais. Graças a meus
pais e avós compreendi, desde
muito cedo, que as palavras
podem ser cortadas e emen-
dadas umas às outras sem per-
da do sentido, como em
“dibaidacama” (debaixo da
cama), “sapassado” (sábado
passado) e “jeinium” (de jeito
nenhum). Há quem diga que
o mineiro sonega as palavras
para economizar, o que muito
convém a um povo considera -
do pão-duro, que vive pobre
para morrer rico. Mas eu só
fui entender a lógica do
mineirês em uma recente visita
a Santana dos Montes, uma
pequena cidade a um par de
horas de carro de Belo Hori -
zonte. Na ocasião, tive dois
dedos de prosa com o linguista
Rodrigo Nogueira, que me
apresentou às minúncias do
idioma falado entre os morros
de Minas Gerais.
Nogueira explicou que
diminuir as palavras e cortar
sílabas vêm dos tempos do ci-
clo do ouro, no século 18.
Falar comendo as letras era
uma forma de evitar que ter-
ceiros pudessem ouvir e en-
tender as conversas alheias. A
regra, naquele tempo, era pas-
sar despercebido e despistar
a atenção do fisco português,
mento a que mergulharam
muitas cidades mineiras após
o fim do ciclo do ouro. É o
caso da popularíssima palavra
“trem”, que além de meio de
transporte sobre trilhos pode
significar “coisa ou objeto”.
“Que trem doido é esse?”,
dizem os mineiros, fazendo
uso da antiga palavra “terem”,
do português arcaico.
Sem falar nos ditados
popu lares. Nenhum outro po-
vo no Brasil usa tantos provér-
bios no dia a dia quanto os
mineiros. Por isso não estranhe
se um mineiro falar que
“dorme com um olho aberto
e outro fechado”. Quer dizer
apenas que o sujeito é atento,
desconfiado e muito provavel-
mente segue o princípio de
que é preciso escutar antes de
falar. Afinal, quem fala muito
dá bom dia a cavalo.
Após anos e anos pes -
quisando palavras e ditos po -
pulares, Rodrigo Nogueira
traçou uma espécie de eti-
mologia do mineirês e es-
creveu tudo no livro Que
Diabo é Esse Trem?, uma pub-
licação independente que ele
vende apenas em sua fazend-
inha lá na pequeninha Santana
dos Montes. Quando eu vi o
livro, comentei com ele: “Que
trabalho brilhante!”. E a re-
sposta: “Que nada, sô, é só
umas coisinha que fui ano -
tano por aí”.
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O Mineirês