Elle - Portugal (2021-03)

(Antfer) #1
ELLE PT 49

FOTOS: ADAM ROSE/NETFLIX (1)) - DR (7) - GUERLAIN (1) - INSTAGRAM: @KIMKARDASHIAN (2) - SAEED ADYANI/NETFLIX (1)


ATITUDE


ão é propriamente uma situação original. “Editora
derevista e escritora troca o jornalismo pela opção
mais estável e lucrativa de produção de conteúdos”.
Uma alternativa cada vez mais recorrente que todos
aqueles que conhecem a realidade dos media tra-
dicionaisentenderão. Ainda assim, a minha transição para
a gestãode redes sociais e relações públicas de pequenas
empresase marcas não foi apenas uma mudança estratégica,
foi uma mudança emocionante. Um novo desafio! Usar a
minha criatividade! Oferecer conselhos profissionais que são
realmente úteis para as pessoas! Adoro tudo isto.
E depois, quem é que não se está reinventar nos dias que
correm? Até Kim Kardashian West evoluiu de rainha das
selfies e empresária da área da moda para estudante de Direito.
Tudo é possível. Na verdade, no mundo das celebridades
não faltam histórias de reinvenção de sucesso. Victoria
Beckham, de cantora questionável a designer de moda
respeitada. Angelina Jolie, de queridinha da Sétima Arte a
ativista humanitária (com tempo para umas pausas para ser
imagem da Guerlain). Numa área totalmente diferente, a
ex-apresentadora inglesa Esther McVey agora é membro do
parlamento pelo partido conservador. Rebranding tornou-se
o conselho mais importante no que diz respeito à vida pro-
fissional nos dias de hoje; um só emprego para a vida toda é
coisa do passado (há que, nem que seja, ter um hobby que
se transforma num segundo trabalho). Ter capacidade de
mudança é, atualmente, um skill fundamental.

A vida está em constante evolução. E, se formos espertas,
nós também estamos. Vamos ter de trabalhar tanto quanto
qualquer geração antes de nós, mas temos mais opções; a
oportunidade de acumular competências e redistribuir os
nossos conhecimentos ao longo da nossa vida profissional vai
tornar-nos pessoas mais felizes, mais ricas e mais bem-su-
cedidas. Dada a turbulência económica que se tornou uma
característica intrínseca de muitas carreiras da Geração Y, o
rebranding ou a adaptação – seja na forma de um part-time
ou numa mudança total de carreira – pode ser o caminho.
Deixando as circunstâncias económicas de lado, penso que
há algo mais profundo na nossa obsessão com o rebranding. O
“crescimento” tornou-se a base estrutural de toda a indústria
de desenvolvimento pessoal. A autorreflexão, o esforço para
sermos uma versão melhor de nós mesmos resume a forma de
estar na vida daqueles que se consideram de alguma forma
autoconscientes. Não chegamos a este ponto do nada, é um
caminho que percorremos há anos. Exemplo disso mesmo é
a volta ao mundo da escritora Elizabeth Gilbert em nome da
reinvenção, registada no livro de enorme sucesso de 2006
Eat, Pray, Love (que, mais tarde, chegou às salas de cinema
com Julia Roberts como protagonista). Não foi ridicularizada
como uma crise existencial (tornada pública e lucrativa) de

uma mulher privilegiada, mas abraçada como uma busca
pelas respostas que muitas de nós também procuramos.
E, é claro, esta noção de autoajuda e de evolução colidiu
com a explosão da criação da chamada marca pessoal. As redes
sociais passaram a misturar o profissional com o pessoal, e
mostar tudo isso de uma maneira (aparentemente) genuína
tornou-se uma via para o sucesso (ou autossabotagem, de-
pendendo da destreza que se tem para usar as redes socais).
Os nossos empregos são uma parte fundamental da de nossa
“jornada pessoal”. Mas o que acontece quando essa jornada
nos leva por um caminho que nos dá vontade de olhar pelo
espelho retrovisor e questionar se escolhemos a saída cor-
reta? O motivo da minha pergunta é pessoal porque, meses
depois da minha mudança para as redes sociais, sinto-me
um pouco desanimada com tudo isto.

«Senti-me totalmente miserável», confessa Rosa, de 34
anos, que deixou o seu cargo de designer numa agência
criativa há dois anos para trabalhar em branding numa
grande marca de fast fashion. «Afetou-me imenso. Quando
ia jantar com os meus amigos acabava por desfazer-me em
lágrimas sempre que eles me perguntavam como estava o
meu trabalho», conta. Estou ao telefone com Rosa, a pedir-lhe
para reviver algumas das memórias menos felizes da sua vida
profissional, na esperança de que elas me possam ajudar a
resolver alguns dos meus próprios dilemas. Como eu, ela
não fez esta mudança sem a devida ponderação. «Sou adulta.
Não estou à espero que o trabalho seja sempre divertido»,
afirma. «Sabia que não seria uma posição tão criativa quanto
a que tinha anteriormente, mas foi um sacrifício que estava
disposta a fazer pelo salário e pelo título».
«Mas, efetivamente, foi complicado estar num ambiente
corporativo; havia uma estrutura hierárquica muito forte. O
meu trabalho era rejeitado por pessoas acima de mim que não
tinham a minha experiência. Eles diziam que precisavam da
minha criatividade e da minha abordagem diferenciadora,
mas, na verdade, o que queriam eram as coisas feitas da
mesma forma de sempre», afirma.
A desilusão foi tal que Rosa procurou imediatamente
um coach profissional na esperança de descobrir qual era o
problema: ela ou o emprego? «Nunca tinha passado pela
experiência de ter um cargo em que não tivesse tido sucesso,
por isso precisava realmente de entender o porquê – e o que
isso significava para o meu futuro».
Ficou um pouco perplexa no começo, quando o seu
coach começou a fazer um conjunto de perguntas bastante
abstratas. «A que ficou na minha cabeça foi: “Quem estaria
na sua festa de 70 anos?” Além da minha família e amigos
próximos, muitas das pessoas que imaginei lá estarem eram
colegas de trabalho com quem me relacionei ao longo dos
anos. Depois de um pouco de reflexão, ficou claro que era

N

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