ELLE PT 55para uma plataforma que oferece menos criatividade. «O pro-
cesso criativo na televisão é muito diferente do no YouTube.
Como criador no YouTube, temos a ideia, filmamos, fazemos o
upload e, depois, a plataforma ajuda-nos a construir audiências.
Existem tantas histórias de criadores que tiveram uma ideia,
apresentaram-na na televisão, foram rejeitados e, em seguida,
tiveram o maior sucesso no YouTube. Não é porque a pessoa
da televisão tomou a decisão errada. É porque, no YouTube,
podemos ter sucesso a criar para públicos e comunidades de
nicho.Para mim, a liberdade criativa intrínseca da plataforma
é incrivelmente inspiradora».
Creio poder concluir que o YouTube oferece a Cécile a
criatividade sem limites que a televisão, que é limitada pelas
audiências nacionais, nunca poderá oferecer – além de ter
a capacidade de atingir tanto um público amplo, como de
nicho, da mesma forma que a Netflix faz atualmente. Para
acabar, pergunto a Cécile o que significa o sucesso para ela.
Ela é casada com o mesmo homem há muitos anos (ele tra-
balha na área de biotecnologia), tem duas filhas, de 12 e 17
anos e um dos currículos mais impressionantes do mundo.
Ela fica em silêncio. Depois de alguns segundos, diz:
«Suponho que sucesso é chegar a um ponto em que se
descobre qual é o nosso propósito e o que quer que façamos
está de acordo com [isso]. E então chegamos a um ponto em
que estamos a fazer escolhas felizes». n F.S.que já conhece todos juntos num só espaço – sem esquecer
os vídeos caseiros do seu pai sobre como plantar tulipas. E
fez tudo isto em menos de duas décadas. O que significa
que o YouTube precisa de um líder que consiga entender as
nuances e promover a criatividade sem nunca perder a calma.CÉCILE NÃO TENCIONAVA TER UM DOS MAIORES CARGOS
do mundo do entretenimento. Ela vem de uma família
francesa modesta, sem ligações ao mundo dos media. Tudo
começou por uma vaga sugestão de um professor. Depois
de se formar – mesmo com várias reticências da sua família
e depois de algumas aventuras profissionais – o momento
decisivo chegou quando conheceu o antigo diretor geral da
BBC, Greg Dyke, enquanto trabalhava no grupo Pearson,
agora conhecido como Fremantle. Em 2001, encontrava-se
nos Estados Unidos a dirigir todas as operações da produtora,
incluindo a adaptação do programa Pop Idol do canal inglês
ITV.«Esse foi o início de uma fase completamente diferente
da minha carreira», lembra.
Cécile ilumina-se quando fala sobre televisão. Da mesma
forma que um designer fala sobre tecidos ou um escritor
sobre palavras. Durante o seu tempo na Fremantle foi res-
ponsável por alguns dos maiores sucessos da empresa, bem
como pelos seus projetos mais criativos – Idol, sim, além
de The Young Pope e My Brilliant Friend, entre muitos
outros. Sob a liderança de Cécile, a Fremantle desenvolveu
alguns dos conteúdos mais interessantes que o público viu
ao longo de anos, elevando a fasquia do que era considerado
puro entretenimento e competindo, frente a frente, com
os conteúdos originais da Netflix, onde o dinheiro parece
não ser um problema. Foi também crucial para convencer
muitas emissoras a usar o YouTube como um meio não só
para alcançar um público mais amplo, mas também para
garantir que os seus programas durassem muito mais tempo
além dos dois ou três meses que passavam na televisão.O QUE NOS LEVA À QUESTÃO: porquê sair quando está
tudo a correr bem? Ela admite que foi recrutada, mas a
decisão de trocar o mundo da televisão pelo YouTube não
foi algo que exigisse muita reflexão. «Tinha 50 anos quando
mudei... Quer dizer, podia ter ficado mais cinco ou 10 anos
[na Fremantle] e teria sido muito divertido. No entanto,
não acho que os CEOs devam manter um emprego para
sempre. As empresas precisam de novas dinâmicas, uma
nova abordagem, um novo par de olhos». Além disso, Cécile
não considera que desertou para o inimigo. Nem que mudouFOTO: TRISHA WARD (1) - STYLING:: JULIA HARVEY (1) - CABELO: EMMA SMALL/STELLA CREATIVE ARTISTS - MAQUILHAGEM: LIZ DAUXAUER/CAREN AGENCY - AGRADECIMENTOS: BETON BRUT