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Banco Central do Brasil

Revista Época/Nacional - Vivi para contar
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas

mestre-sala paulista na Portela e cursaria medicina,
diriam que eu era louco. Hoje, eu me sinto no fundo do
poço. Olho para cima querendo voltar para onde eu
estava, dizendo para mim mesmo que preciso ter
calma”, afirmou Lamar.


Com três décadas à frente de um dos ateliês mais
respeitados do meio, o estilista Belisário Cunha, de 60
anos, tem sensações parecidas quando se confronta
com o turbilhão da pandemia em sua vida. Há anos
responsável por todas as fantasias das composições
dos carros alegóricos do Salgueiro e com o figurino de
um clipe da diva pop americana Beyoncé no currículo,
ele conta que hoje depende exclusivamente do
Carnaval. Mas nada resistiu à Covid-19. Em vez das 15
a 20 pessoas que estariam trabalhando com ele no
ateliê, há meses ele cuida do espaço sozinho, cercado
de fantasias, pedrarias, plumas e lembranças de
prêmios e grandes desfiles. “Às vezes, começo a fazer
uma roupa para ocupar o tempo. Vou para a rua fazer o
quê, sem dinheiro? Todo início de mês é uma angústia.
Acordo e me pergunto: consigo comer hoje? Passar
meu dia? Então, me deito e agradeço ao lá de cima.
Porque não tem uma pessoa do Carnaval que não
esteja passando alguma necessidade”, disse Cunha.


Ele é um dos tantos trabalhadores do Carnaval que
tentaram se inscrever, sem sucesso, na Lei Aldir Blanc,
de incentivo à cultura. Vendeu algo aqui, desapegou de
outra coisa ali... No período do Natal, nas poucas vezes
que circulou pela cidade nos últimos meses, foi ao
centro comprar material para velas decorativas que
comercializou. Voltou triste diante da quantidade de
pessoas empurradas para a situação de rua na
pandemia. E sem muita esperança de conseguir
desenvolver outra atividade. “Se eu fizer bijuterias, vou
vender para quem? Ninguém está gastando com nada
superficial”, disse ele.


Em outro ateliê dos mais concorridos, o Aquarela
Carioca, os sócios Leonardo Leonel e Pedro dos Santos


estão tentando gerar alguma receita produzindo peças
decorativas para a casa, que vendem nas redes sociais
e numa loja virtual. Também já promoveram workshops
on-line. Essa tentativa de reinvenção, dizem eles, não
cobre 30% do que precisam para pagar as despesas. A
dupla é especialista em dois dos trajes mais caros e
sofisticados do Carnaval, o de mestre-sala e o de porta-
bandeira. “Conseguimos um desconto de 50% no
aluguel do ateliê por seis meses. Três escolas nos
ajudaram, numa espécie de adiantamento por serviços
futuros. Ainda assim, temos matado um leão por dia. A
verdade é que, se não tiver Carnaval também em 2022,
a gente fecha”, disse Leonel. Seu ateliê é responsável,
em média, pelas fantasias de 20 casais por ano e, além
do Rio, atende São Paulo, Porto Alegre, Uruguaiana e o
Japão.

O escultor cenográfico Flávio Policarpo trabalha no
Carnaval há 33 anos. Em 2020, foi responsável por
esculturas na Viradouro, na Mangueira e na Estácio de
Sá. Agora, passou a bater ponto com mais frequência
em seu ateliê em Del Castilho, na Zona Norte do Rio,
para vender e alugar peças de isopor e fibra de vidro a
empresas. Ele lembrou que, em seu ramo, há ofertas de
trabalho além do Carnaval. Mas, assim como no setor
da folia, quase tudo está parado.

Para virar esse jogo, muitos concordam que, depois
deste ano no marasmo, o Carnaval precisa ser
retomado de forma diferente. A ESPM Rio, instituição de
ensino também empenhada em pesquisas sobre
economia criativa na cidade, elaborou propostas que
serão entregues ao prefeito Eduardo Paes e a seu
secretariado. A ideia é tornar o negócio do Carnaval
mais sustentável. O pesquisador Marcelo Guedes
sugere a análise de modelos para a participação da
iniciativa privada no evento e revisões dos desfiles,
incluindo seu julgamento. “É uma manifestação que é
nossa riqueza, presente em vários locais do Rio, como
Madureira, Mangueira, Bangu e Padre Miguel, onde o
samba tem um papel fundamental. E também é o núcleo
de um ecossistema e de uma grande cadeia produtiva
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