Clipping Banco Central (2021-02-13)

(Antfer) #1

O realismo oportunista do Centrão e a distopia bolsonarista


Banco Central do Brasil

O Estado de S. Paulo/Nacional - Espaço Aberto
sábado, 13 de fevereiro de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: Sergio Fausto


O saldo da primeira metade da Presidência de Jair
Bolsonaro é muito ruim. Mas pior do que os resultados é
o espírito que preside à gestão do governo em seu
conjunto. A sua marca é o ânimo destrutivo.


Nada é mais simbólico desse fato do que a genuína
paixão do presidente pelas armas. Bolsonaro banaliza a
vida (“a morte é o destino de todos nós”), dá de ombros
para as vítimas da covid-19 (“eu não sou coveiro”) e
duvida dos benefícios da vacina (“se virar jacaré, não
vem reclamar”), mas não esconde seu entusiasmo com
o grande aumento do número de armas nas mãos da
população civil, objetivo que vem perseguindo desde o
início de seu mandato. Segundo reportagem do jornal O
Globo publicada cm 31 de janeiro, já são mais de 1
milhão de armas, um aumento de 65% em comparação
com 2018.


A paixão pelas armas é correspondida pelo desprezo à
cultura, outro traço de Bolsonaro, visível nas escolhas


feitas por ele para essa área em seu governo. O elo que
une a paixão pelas armas e o desprezo pela cultura é a
intolerância, pois a cultura reclama pluralidade e
valorização da diferença. “Quando ouço falar em
cultura, puxo o meu revólver”, diz um personagem da
peça Schlageter, do dramaturgo e poeta nazista Hanns
Johst, escrita em 1933, logo após a chegada de Hitler
ao poder. Bolsonaro não é nazista, mas compartilha
com o personagem a mesma ojeriza à transgressão
criativa, que é própria da criação cultural.

O uso do polegar c do indicador para simular uma arma
é a marca registrada do presidente. Do gesto derivam
dois discursos, que não são exatamente iguais, mas
convergem no enaltecimento de virtudes viris. Um deles
apela ao instinto de autodefesa do cidadão
amedrontado: defenda-se você mesmo, pois o Estado
não é capaz de fazê-lo (por suposta culpa da “turma dos
direitos humanos”, que amarraria as mãos da polícia). O
outro aponta para o uso da violência contra adversários
políticos. No início deste mês ele mais uma vez voltou a
bater nessa tecla ao anunciar novos decretos para
facilitar a compra de armas: “Eu não tenho medo do
povo armado, me sinto muito bem ao lado de um povo
armado, isso evita que o governante se torne um
ditador”.

O alvo real da suposta preocupação democrática do
presidente não é, obviamente, ele próprio, mas os seus
adversários. Não há como esquecer a reunião
ministerial de 22 de abril, em que, alterado, disse que
“um povo armado” não acataria as medidas de restrição
ao comércio adotadas por prefeitos e governadores.

A distopia bolsonarista projeta na tela do imaginário
nacional uma espécie de faroeste caboclo,
protagonizado por homens rudes, incultos e indomáveis,
um mundo onde a saliva cedeu definitivamente lugar à
pólvora e no qual manda quem tem a maior pistola.
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