Clipping Banco Central (2021-02-13)

(Antfer) #1
Banco Central do Brasil

O Estado de S. Paulo/Nacional - Espaço Aberto
sábado, 13 de fevereiro de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas

A referência do presidente não é Adam Smith e A
Riqueza das Nações. Não é a mão invisível do mercado
que faz Bolsonaro sonhar à noite e despertar com
energia na manhã seguinte para desincumbir-se do seu
ofício do presidente. Uma economia de mercado requer
uma rede complexa de instituições que regule,
contenha, sem sufocar, o espírito animal dos
empreendedores. Supõe regras estáveis e agentes
estatais “neutros” com capacidade jurídica e operacional
para fazê-las valer. Exige também o reconhecimento da
ciência como parâmetro fundamental da ação
reguladora do Estado, a começar pelas questões
elementares do que é ou não nocivo à saúde humana.
Exige ainda, como ensina Smith na Teoria dos
Sentimentos Morais, uma ética da solidariedade,
baseada na empatia. Nada disso é compatível com a
distopia do “povo armado” e do “negacionismo
científico”. Só se for para um liberalismo de fancaria,
mero véu para encobrir interesses mesquinhos e
grandes preconceitos.


A distopia bolsonarista é também inconciliável com a
ordem e o progresso, lema de inspiração positivista
inscrito em nossa bandeira com o advento da República
e no espírito das Forças Armadas desde então. Não
pode haver ordem sem monopólio estatal da violência
exercido por forças armadas e policiais regidas pelos
princípios da hierarquia e da disciplina e, no Estado
Democrático de Direito, submetidas ao império de
direitos e garantias individuais. E não pode haver
progresso sem reconhecimento da importância da
ciência para o desenvolvimento econômico e social.


O que já era uma verdade inquestionável no século 19,
quando o positivismo desembarcou no Brasil e fez
escola entre os militares, é hoje ainda mais verdadeiro.


A distopia bolsonarista não é inconciliável, porém, com
a realidade de um Estado patrimonialista, tomado pelos
interesses de corporações e clientelas políticas e
gerenciado por profissionais da intermediação política
cujo principal propósito é maximizar o poder e a renda
que a intermediação lhes permite extrair. O impulso
destrutivo do bolsonarismo e o oportunismo do Centrão
podem se acomodar mutuamente, à custa do que resta


de republicano no Estado brasileiro.

A violência, a boçalidade e o patrimonialismo têm um
passado vistoso no país. Terão um futuro promissor?

DIRETOR-GERAL DA FUNDAÇÃO FHC, É MEMBRO
DO GACINT-USP

Violência, boçalidade e patrimonialismo têm um
passado vistoso. Terão futuro promissor?

Assuntos e Palavras-Chave: Cenário Político-
Econômico - Colunistas
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