Clipping Banco Central (2021-02-13)

(Antfer) #1

Direito à memória , não ao esquecimento


Banco Central do Brasil

Folha de S. Paulo/Nacional - Saúde
sábado, 13 de fevereiro de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: Oscar Vilhena Vieira


Decisão do Supremo protege o acesso das futuras
gerações à história


Não temos direito a tudo que queremos. É o preço de
vivermos em sociedade. O fato de termos um interesse,
ainda que legítimo, de esquecer algo, ou desejar
"apagar" uma informação sobre nosso passado, não
significa que tenhamos o direito de fazê-lo, exceto se
essa informação for ilegal ou abusiva.


Foi isso que o Supremo Tribunal Federal decidiu nesta
semana. E não poderia ter sido diferente, uma vez que
a Constituição não prevê um direito ao esquecimento ou
a algo que lhe dê sustentação. O que nosso sistema
constitucional reconhece, de forma muito robusta, é
uma proteção preferencial ao direito à informação e à
liberdade de expressão, em face da centralidade que
esses direitos têm para a própria democracia.


Acolher o direito ao esquecimento seria um "desaforo" à
jurisprudência de proteção à liberdade de expressão e
ao direito à informação que vem sendo consolidada pelo


Supremo a partir dos julgamentos da Lei de Imprensa e
das biografias não autorizadas. Neste último caso o
Supremo reconheceu â?"de forma unânimeâ?" a
prevalência do direito à informação sobre a vontade
subjetiva do biografado. Como salientou a ministra
Cármen Lúcia, permitir que um indivíduo impeça a
circulação de uma informação conferiria a ele a
prerrogativa de "controlar o outro"; de suprimir sua
autonomia.

Mesmo em sua malfadada decisão sobre a Lei de
Anistia, o Supremo deixou claro que nem o perdão legal
pode usurpar da sociedade o direito de investigar a sua
história e buscar a verdade. Incorporar o pretenso
direito ao esquecimento, tal como proposto no caso
Aída Curi, colocaria em risco o direito das futuras
gerações não apenas de acessar a sua própria história,
mas também de dispor de meios essenciais para
exercer a cidadania. Só poderemos bradar "nunca
mais", se as atrocidades do passado jamais puderem
ser suprimidas ou esquecidas. Não há espaço para
acomodação nessa questão.

Como salientou o ministro Luiz Fux, não se pode
permitir a pretensão de "reescrever o passado nem
obstaculizar o acesso à memória".

Isso não significa que a liberdade de expressão seja um
direito absoluto. Em situações excepcionais,
estabelecidas em lei, essa liberdade pode ser contida.
Mas, para isso, é fundamental demonstrar a existência
de abuso, de ilegalidade, ou mesmo de falta de
veracidade (em determinadas circunstâncias).

Reconhecer o direito ao esquecimento â?"dissociado de
fatos ou informações ilegais e abusivasâ?", isso sim,
seria conferir caráter absoluto a um interesse individual,
que nem sequer direito é, em detrimento de um direito
fundamental preferencial, definido pela Constituição
como cláusula pétrea. Mais do que isso, seria transferir
a agentes privados o poder de censurar e controlar o
acesso de todos à informação.
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