Clipping Banco Central (2021-02-17)

(Antfer) #1
Banco Central do Brasil

O Globo/Nacional - Opinião
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas

Mas tem sido esse vírus que põe à prova nossa
humanidade mostrando o que temos de pior e de
melhor; e como essas dimensões - exatamente como o
excesso e a disciplina (gozo e penitência) - estão
interligadas.


Sem Rei Momo, fomos direto do mundo das agonias e
da morte a essas cinzas do calendário católico. Esse
outro lado da moeda carnavalesca, a que se junta,
como num velho sermão ou milagre, um vírus revelador
de uma inesperada fragilidade e, com ela, de uma
esperançosa generosidade. Num mundo que nos
destina ao individualismo, a pandemia nos mostra que,
além de pertencermos a nós mesmos, pertencemos
também a outras pessoas.


O "corona" nos esfrega na cara nossa humanidade. E
tão simples quanto o riso carnavalesco que passou sem
ser. Somos humanos e iguais, porque somos mortais e
humanos.


A face nua e crua da morte que é o próprio real ou limite
nos obriga a enxergar o todo e como esse todo é tão
mal administrado por seus donos e proprietários.


Penso que o próprio adiamento (sem brasileiramente
abrir mão do feriado) é um sintoma de mudança, porque
o carnaval - conforme acentuei na minha obra pouco
lida em Jumentolândia - é um rito de passagem de
calendário tal como, em 1909, classificou o antropólogo
Arnold Van Gennep no seu clássico "Os ritos de
passagem". Nesse sentido, o deslocamento do carnaval
como uma defesa contra a pandemia tem um claro e
sensato motivo sanitário, mas deixa em aberto a
observância, reitero, de um tempo transcendente ou
axial.


Minhas crônicas das Quartas-feiras de Cinzas reiteram
uma velha pergunta. Afinal de contas, o que festejamos
no carnaval? Essa festa sem sujeito e do riso? Nesse
encontro que, no Brasil, é marcado pela igualdade do
anonimato?


A pandemia, além de vidas, roubou também o carnaval


e as máscaras que nele usávamos como sinal de que
ninguém precisava saber com quem estava falando...

Se há angústia nas quarentenas da doença, enorme
feriado carnavalesco (talvez único no mundo) nos leva a
essa Quaresma especial. A 40 dias sem as honrosas
dívidas dos "trabalhos" ou coerções de Dom Carnal. Eis
um feriado singular. Uma pausa para nada fazer depois
de uma festa em que tudo era possível, mas que não
aconteceu.

Assuntos e Palavras-Chave: Cenário Político-
Econômico - Colunistas
Free download pdf