Rodrigo Craveiro - Chamado à paz
Banco Central do BrasilCorreio Braziliense/Nacional - Opinião
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021
Cenário Político-Econômico - ColunistasClique aqui para abrir a imagemAutor: RODRIGO CRAVEIRO
rodrigocraveiro.dfedabr.com.br
Aconteceu em 8 de abril de 1995. Se eu estivesse
armado naquela noite, provavelmente estaria sepultado
em um dos cemitérios de Goiânia. Havia chovido
naquele sábado, e a noite estava fria. Fui abordado ao
entrar no carro por um homem que golpeou o vidro do
lado do motorista com a coronha do revólver. Fiquei em
poder de dois bandidos durante cerca de uma hora. Tive
a certeza absoluta de que morreria. Seguiram para uma
estrada vicinal a 30km da capital goiana. Fechei os
olhos, enquanto o cano gélido da arma pressionava
minha nuca. Eu me pus a rezar o Pai Nosso baixinho.
Fui chamado de "bicha" por um dos assaltantes.
Argumentei que se tirasse o revólver da minha cabeça
ficaria em silêncio. No destino, mandaram que eu
ficasse somente de cueca e fosse para a frente do
carro. Um encostou o revólver em minha testa, outro,
em minha nuca. Foram pelo menos 20 eternos minutos
de tortura psicológica. Discutiam se me matariam ou
não.
Dia 8 de abril é meu segundo aniversário. Aquele
sábado chuvoso de 1995 também foi o dia em que me
dei conta de que abomino armas. Elas não foram feitas
para proteger, mas para matar. Pura e simplesmente.
Chega a ser inescrupuloso um líder fazer de sua
bandeira a flexibilização do acesso às armas. Convite
para tragédia. Quantas crianças serão feridas
gravemente ou perderão a vida em acidentes banais e
estúpidos dentro de suas próprias casas? Quantas
vítimas de assalto não terão a mesma sorte que eu e
serão castigadas com a morte por seu algoz, que nada
tem a perder? Quantos feminicídios teremos na conta
do Estado? Quantas discussões em bares serão
resolvidas a bala, desgraçando famílias inteiras?Onde está a vantagem em ter armas? Nos Estados
Unidos, vez ou outra, adolescentes promovem
matanças porque o próprio sistema facilita isso.
Queremos o mesmo no Brasil? Como ficarão os pais,
com medo de que seus filhos jamais retornem para
casa? Também nos EUA, milícias fortemente armadas
saem às ruas e são protegidas pela Constituição. Nossa
Carta Magna proíbe a associação de pessoas armadas.
Queremos nos tornar uma nação de milicianos? Curioso
que, enquanto o presidente apregoa seus decretos
sobre armas como uma atitude extraordinária, quase
250 mil brasileiros foram ceifados por um vírus que
escorou na própria ineficiência e no negacionismo do
governo. Já não temos tragédia suficiente?O pacifismo é a solução. Não precisamos alimentar a
indústria armamentista. Não temos que dar carta branca
à ideologia belicista somente porque o Estado está
tomado de militares. Temos a obrigação de preservar
vidas. Missão que deveria caber, primeiramente, ao
chefe de Estado e de governo do Brasil. Além disso,
será que não é óbvio demais que as armas acabarão
em mãos de bandidos? Espero que você, caro leitor,
jamais passe pela experiência que vivi há exatamente
9.447 dias. O trauma ainda me persegue. Ainda bem
que aquele gatilho não foi apertado.Assuntos e Palavras-Chave: Cenário Político-
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