Dúvidas e certezas
Banco Central do BrasilO Estado de S. Paulo/Nacional - Economia
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021
Cenário Político-Econômico - ColunistasClique aqui para abrir a imagemAutor: JOSEF BARAT
Bertrand Russell teve a percepção de que o problema
do mundo era o das pessoas inteligentes estarem
plenas de dúvidas e os idiotas, plenos de certezas.
Assim, não é difícil de entender por que, no Brasil, o
menosprezo pela gravidade da pandemia e a condução
errática e irresponsável do seu combate só contribuíram
para trazer sofrimento, prolongar a estagnação
econômica e ampliar a pobreza.
Mostrou-se falso o propalado dilema economia versus
pandemia. O cenário econômico já era de desemprego
elevado, PIB estagnado, desinteresse de investidores
externos e fracassos sucessivos na condução de
reformas importantes. Com o governo negando
metodicamente a gravidade da pandemia e revelando
uma distopia surreal no seu enfrentamento, agravaram-
se ainda mais o descrédito internacional do Brasil e a
falta de confiança de investidores e financiadores. A
recente decisão da Ford simbolizou, de forma
dramática, a distopia num dos piores momentos da
economia brasileira.
Tal combinação de fatores negativos só poderia resultar
num desastre econômico e social de grande dimensão.
O PIB, que já vinha estagnado, caiu 5,8% em 2020, e o
desemprego alcançou mais de 14%. Note-se que no 2.°
trimestre de 2020, o PIB teve queda recorde de 9,7%.
Com as mortes pelo coronavírus ultrapassando os 250
mil, o sistema público de saúde entrou em colapso. Em
meio a essa tragédia, a ignorância perdeu a vergonha e
um inédito Festival de Besteiras assolou o País.
Negacionistas, terraplanistas, militantes antivacina e
idiotas similares saíram de suas tocas e se
apresentaram à luz do dia. Um debate oligofrênico
sobre as vacinas retardou providências de isolamento e
agravou a propagação da covid-19. As consequências
econômicas não poderíam ser diferentes: mais
paralisação e mais desemprego.Com a pandemia correndo solta, a ONU divulgou dados
indicando queda anual de 51% nos investimentos
estrangeiros no Brasil, em 2020, redução superior à
média da queda mundial. Por outro lado, de acordo com
a Conferência para o Comércio e Desenvolvimento da
ONU, os programas de privatizações e concessões nas
infraestruturas - já antes muito relutantes - se retraíram
drasticamente no Brasil.Alguns sinais de recuperação ocorreram em poucos
setores que resistiram ou se beneficiaram, como o
agronegócio. Espera-se um crescimento do PIB de
pouco mais de 2% em 2021 e 2022, com atividade
econômica ainda aquém dos níveis anteriores à
pandemia. Com inflação abaixo da meta, alta liquidez,
taxas de juros baixas, poderá haver estímulo ao
investimento. No entanto, as vulnerabilidades fiscais
foram exacerbadas pela necessária resposta à
pandemia e a dívida pública aumentou. E a grande
probabilidade de fracasso na condução das reformas
estruturais poderá desestimular o investimento e
comprometer o crescimento futuro.Se benefícios temporários de emergência deram apoio
a milhões de famílias, amortecendo o impacto sobre a
renda familiar e a pobreza, a recuperação levará tempo